Neonatologia | Levar um prematuro para casa

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O dia da alta de um prematuro, após uma temporada na neonatologia, é o dia mais esperado pelos pais. Não é exagero dizer que foi um dos três dias mais felizes da minha vida, igualando-se ao dia do nascimento da Constança e ao dia do meu casamento. Mas foi também um passo que nos deixou muito apreensivos. É o dia em que se desligam os monitores e ficamos por nossa conta. Não podemos fazer mais leituras permanentes de saturações de oxigénio nem de frequência cardíaca e também não toca um alarme de cada vez que saem dos parâmetros normais. Essas leituras passam a ser feitas apenas com os sinais que elas nos passam e com um olhar atento da nossa parte. Não temos os enfermeiros a quem recorrer cada vez que temos dúvidas ou medos. Não temos uma sonda por onde administrar o leite quando não o bebem na totalidade. Levantam-se imensos receios que nos deixam apreensivos: e se não nos apercebermos de que não estão bem? E se não formos a tempo? E se precisarem de algo urgente e a ajuda não chegar a tempo? E se não comem? E se não engordam o suficiente? Não éramos pais se primeira viagem mas aqueles bebés tão pequeninos, de nem sequer 2kg, e tão frágeis exigiam de nós muito mais do que a Constança alguma vez exigiu. Como sempre, respirei fundo e tentei não dramatizar. O meu instinto de mãe ia ajudar-me a perceber se algo não estivesse bem. 

Levar um prematuro para casa é levar também uma bíblia de panfletos informativos com todos os sinais de alarme, todos os cuidados recomendados, toda a informação sobre o que era normal e anormal acontecer. Li cuidadosamente cada um deles. Precisava de estar perita na matéria para estar atenta a tudo. 

Levar um prematuro para casa é pôr um despertador a tocar religiosamente de 3/3horas para lhes dar de comer. Elas precisavam de engordar e era fundamental não falhar nos horários. É ficar stressado quando não bebem a totalidade do leite porque a nossa maior preocupação é o aumento de peso. É ficar desiludido quando não aumentam nada ou aumentam poucos gramas. É comprar uma balança própria para continuar a pesa-las em dias alternados e evitar as idas ao centro de saúde com receio de que possam ficar doentes.

Levar um prematuro para casa é morrer de medo que elas possam ficar doentes e terem que voltar para o hospital. Um vírus ou uma bactéria num prematuro pode ser fatal nos primeiros meses de vida. É ficar paranóico com a lavagem e desinfeção das mãos antes de tocar em cada uma delas e passar essa paranóia para a Constança que já o fazia sem termos que lhe dizer. É não permitir visitas, por indicação médica, e sermos mal interpretados e criticados por algumas pessoas que não compreendem a fragilidade do sistema imunitário de um prematuro e os riscos inerentes. É sair de casa única e exclusivamente para consultas médicas e mesmo assim irmos cheios de medo de que possam ficar doentes. É passar oito meses em clausura para protegermos as nossas filhas. 

Levar um prematuro para casa é termos imensas consultas, uma média de três por semana numa fase inicial. É acordar inúmeras vezes e ir inúmeras vezes ao berço quando estão a dormir para nos certificarmos de que a respiração está normal e de que estão bem. É ter medo de lhes tirarmos os olhos de cima por receio de que possam não estar bem e nós não nos apercebermos. 

Levar um prematuro para casa é morrer de medo de que, a qualquer momento, possamos ter que voltar para o hospital e a cada ida à urgência rezarmos para que estejam bem e não precisem de ficar internadas porque já não aguentamos passar mais tempo no hospital e vê-las sofrer.

Levar um prematuro para casa é passar noites e noites sem dormir porque elas não tem a rotina do sono definida (na neonatologia há sempre luz e por isso não há noite nem dia, dormem quando querem). É passarmos noites e noites a dormir sentados com elas em canguru porque era a única forma delas se sentirem seguras e dormirem.

Mas levar um prematuro para casa é acima de tudo querer ficar agarrados a elas tipo lapas para recuperar todo o tempo em que não o pudemos fazer. É passar horas com elas a dormir no nosso peito e não conseguirmos deita-las. É termos um brilho nos olhos cada vez que as deitamos no berço, que as vemos finalmente a preencher aqueles berços que durante tanto tempo estiveram vazios. É ficar radiante ao vermos as roupinhas, que até então eram largas e grandes, a ficarem preenchidas. É desejar esquecer todo o sofrimento que as vimos passar. É desejar que o tempo passe devagarinho para que elas fiquem bebés durante muito tempo para podermos aproveitar cada momento ao máximo. 



O dia-a-dia com três crianças

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Muitas mães de primeira viagem, legitimamente, ficam ansiosas quando se veem sozinhas com um recém nascido em casa. Ninguém nasce ensinado e é tudo uma novidade. É uma mudança radical na vida de um casal e a adaptação nem sempre é fácil.

Não fiquei ansiosa quando tive alta com a Constança e reconheço que até dei bem conta do recado mas foi uma mudança tão grande na nossa vida que mexeu muito comigo.

Era uma bebé muito desejada mas nunca ninguém nos tinha dito o quão difícil era ser mãe. A quantidade de vezes que eles choram, comem e fazem cocos. A quantidade de vezes que temos que acordar durante a noite. A quantidade de vezes que temos que sair a meio do banho para lhes socorrer. A quantidade de vezes que deixamos queimar a comida, comemos comida fria ou comemos por turnos para não a deixar chorar. A quantidade de vezes que pomos roupa a lavar, secar e arrumamos a casa com ela ao colo. A quantidade de vezes que suplicamos por conseguir dormir 2h seguidas. A quantidade de vezes que temos que mudar de roupa porque o leite nos ensopa a roupa. A dor nos pontos infectados de um pós parto (nem me conseguia sentar).

Ser mãe é difícil e ninguém nos prepara para isso. Só nos pintam o lado colorido e embora seja verdade que o amor e o sorriso de um filho compensem tudo não posso negar que chorei muito nos primeiros tempos da Constança. Sentia-me exausta e sabia que não tinha tempo para parar porque ela precisava de mim a tempo inteiro.

Quando as duas gémeas tiveram alta e tínhamos três crianças pequenas, totalmente dependentes de nós para tudo, lembrei-me dos primeiros tempos da Constança e pensei nas dificuldades que ia encontrar. A questão é que os pais de segunda viagem já têm outro traquejo, já estão calejados e já adquirem outras estratégias para lidar com as situações. Os pais de gémeos então são pessoas muito mais práticas e descontraidas, se assim não fosse enlouqueciam. 

Com três crianças nunca senti as dificuldades que senti quando tinha apenas uma. O que mais me custou foi não ter braços para as três quando choravam ao mesmo tempo e reconheço que a Constança foi sempre a mais prejudicada porque como era a mais crescida era a que tinha que esperar mais tempo, até eu sossegar as irmãs. Nada me custava mais do que isso e do que não ter mais tempo para dedicar a cada uma isoladamente. Passamos muitas noites em que não sabemos se chegamos a dormir porque entre acordar uma e depois outra e adormecerem depois de comer só dormitávamos uns 50 minutos por noite. Não posso negar que os primeiros tempos foram cansativos. O dia-a-dia era passado exclusivamente a mudar fraldas, amamentar, adormecer, banho, mudanças de roupa, dar colinho. Tivemos que encontrar um equilíbrio que passou por estabelecer rotinas e dividir bem as tarefas entre o casal. As horas de alimentação, horas da sesta e horas de dormir à noite passaram a ser cumpridos religiosamente. Assim como as tarefas entre o casal, cada um sabe exactamente o que tem que fazer e os horários (por exemplo, o pai dá banhos e a mãe as sopas). Só assim conseguimos ter tempo de qualidade com elas e para nós.


Vinte meses depois continua a ser cansativo e quem nos vê fora de casa com as miúdas comenta que não sabem como aguentamos mas verdade é que já está entranhado a nós e somos o mais descontraído possível. Nunca fomos daqueles pais de fazermos uma prova de velocidade para chegar ao pé delas cada vez que uma cai. Caiu, levanta-se. Desde cedo que tentamos incutir-lhes o máximo de  autonomia. A Constança começou a comer com colher aos 9 meses, com 12 meses comia com garfo sozinha. As gémeas desde os 10 meses que comem sozinhas, primeiro com a mão e agora com garfo/colher. Ajudam a pôr a mesa e arrumar a cozinha. Arrumam os próprios brinquedos. A Constança desde que deixou a fralda que vai sozinha ao quarto de banho e já se veste sozinha quando são roupas mais práticas. 

A pior parte do dia é de manhã para as vestir que mais parece um campeonato de judo e transpiro todo os dias e os finais de tarde em que já começam a mostrar sinais de cansaço e ficam mais birrentas. Há dias de enlouquecer. Mas todos os dias, entre eu e o pai, conseguimos dedicar 2/3h exclusivamente a brincar com elas. É o que nós chamamos de tempo de qualidade e do qual não prescindimos. Só o conseguimos graças à gestão que fazemos das tarefas domésticas. 


E hoje sabemos que realmente todo o cansaço é compensado.

Neonatologia | Os enfermeiros da neonatologia

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É inevitável falar de neonatologia sem falar daqueles profissionais incríveis que lá trabalham. Não descartando os médicos, que sempre foram do mais simpático e profissional possível connosco e a quem devemos a vida das nossas filhas,  e as auxiliares de ação médica que sempre foram incríveis connosco, a minha profunda admiração vai para aqueles que 24 sob 24h não tiravam os olhos das nossas filhas, os enfermeiros. E juro que não estou a puxar a brasa à minha sardinha!

Não me canso de repetir que os enfermeiros da neonatologia são seres especiais. Porque para além de terem a vocação para a enfermagem, parece que nasceram especificamente para a neonatologia. Sente-se isso ao vê-los trabalhar. Todos os dias dava por mim a admirar a forma como cuidavam daqueles seres minúsculos que tinham nas mãos. A cuidar dos nossos como se fossem deles.

Cuidavam das nossas bebés com o mesmo carinho, empenho e amor com que eu própria cuidaria sendo a mãe. Muitas vezes dava por mim a pensar que eles não precisavam de ser assim, podiam simplesmente fazer o trabalho deles mas o que eles faziam ia muito além do trabalho deles. 

Encantava-me o tom com que falavam com os bebés, os monólogos engraçadissimos que tinham com eles, a leveza do toque quando lhes iam prestar cuidados, a delicadeza com que o faziam, o ir à incubadora acalmá-los sempre que um deles chorava e os pais não estavam lá naquele momento, a preocupação pelo conforto e bem estar deles, a perspicácia com que percebiam quando algum não estava bem, a luta e o desejo para que tudo corresse bem, a alegria que manifestavam pelas pequenas vitórias que iam atingindo, o encanto com que lhes escolhiam roupinhas bonitas e à medida deles para lhes vestir (no Porto a roupa era da maternidade, não usavam nada nosso), os adjectivos carinhosos e fofinhos que lhes davam, o entusiasmo com que nos contavam as peripécias que as nossas bebés faziam quando não estávamos lá. Quando à noite regressava a casa vinha triste por deixá-las mas sempre confiante de que ficava lá alguém que cuidaria das minhas filhas como eu própria cuidaria. Presenciei muitas vezes estarem a fazer registos com um bebé, que estivesse choroso, ao colo ou num sling improvisado com um lençol. Assisti à quantidade de vezes que iam a um berço ou incubadora meter a chupeta na boca e aconchegar um bebé. 

Incrivelmente, com todo o trabalho que tinham em mãos com os bebés, ainda conseguiam ter tempo para cuidar de nós, pais. Porque um enfermeiro de neonatologia não cuida só dos bebés, cuida também dos pais. Estão constantemente a ter que responder a um milhão de dúvidas e respondem a cada uma delas com toda a paciência e calma. Dão o sorriso que precisamos num momento difícil, escolhem as palavras mais leves para nos darem uma notícia má, preocupam-se sempre com o nosso descanso e bem estar físico e emocional (quantas vezes nos disseram para sairmos um pouco e irmos dar uma volta só os dois ou almoçar fora). Foram a nossa família enquanto lá estivemos, as pessoas em quem confiávamos cegamente e que tanto nos fizeram rir quando nos apetecia chorar. 

Olhava para eles e via o amor com que trabalhavam. Dava por mim a pensar que parecia que gostavam tanto das nossas filhas quanto nós próprios, pelo carinho que demonstravam. No fundo todos os bebés que por lá passam também são um pouco deles. Ficamos com cada um no coração e adoramos ir visita-los quando vamos às consultas. Felizmente as nossas filhas nunca se vão lembrar do que viveram na neonatologia mas nós pais jamais esqueceremos e farei sempre questão de lhes contar que, apesar de terem sofrido muito, foram tratadas com muito amor.
É caso para dizer: nem todos os super heróis usam capa, alguns usam farda. Um enorme obrigada a todos os profissionais que fizeram com a nossa história na neonatologia tivesse um final feliz.


Neonatologia | O dia em que encerramos este capítulo

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Quando as gémeas nasceram mentalizamo-nos que o internamento seria longo, nunca ninguém fazia uma previsão do tempo mas foi-nos dito que seriam alguns meses. A partir daí preparamo-nos psicologicamente para passar muito tempo no hospital e deixamos de criar expectativas relativamente à alta delas. A ansiedade só surgia quando o peso delas começava a aproximar-se do peso com que habitualmente dão alta, os 2kg ( no caso delas tiveram alta com 1800gr). 

Na neonatologia qualquer pequena vitória delas era um motivo de festejo para nós. Fosse um pequeno aumento na quantidade de leite que toleravam, um pequeno aumento de peso, um xixi mais abundante, a diminuição do oxigénio necessário. Mas havia duas metas que traçamos durante o internamento e que eram aquelas que foram o maior motivo de festejo, a saída da incubadora/passagem para o berço e o dia da alta. A saída da incubadora fazia-nos vê-las como bebés mais normais, em que já não precisavam de estar dentro da caixinha. E a partir do momento em que saem da incubadora, geralmente, é um pequeno passo até ao dia da alta. Mas se por um lado ficamos radiantes quando elas saíram das incubadoras por outro lado ficamos também um pouco apreensivos porque fora das incubadoras estavam mais expostas a vírus e infeções e o sistema imunitário de bebés extremamente prematuros é muito frágil. 

Numa manhã cheguei à neonatologia e foi-me dito que a Carminho ia sair da incubadora. Pesava sensivelmente 1400gr. Fiquei no tal misto de felicidade vs preocupação mas a felicidade vencia. Foi o dia em que comecei a ver uma luz ao fundo do túnel. 

A Carminho ia sair da incubadora e precisava de roupa. Boa! E onde é que eu arranjo roupa para uma bebé de 1400gr e 30 e tal centímetros?! Já tinha comprado algumas roupinhas em tamanho 00 onde cabiam três Carminho’s (só para terem uma ideia era como vestir um babygrow de 6 meses a um recém-nascido). Tinha imensa roupa interior que uma mãe que também teve um bebé prematuro (e que ainda hoje não sei quem foi mas agradeço imensamente) gentilmente deixou com uma familiar do meu marido para me entregar (sim, há boas pessoas!) e esses interiores foram a minha salvação tanto com a Carlota como com a Carminho porque ficavam mesmo à medida. Uma amiga arranjou-me também bastante roupa interior mesmo pequenina oferecida por uma loja que tinha fechado recentemente. Mas precisava de arranjar roupa exterior quentinha. E lembrei-me das mãos de fada da Tia Ni que em tempo record me fez uns conjuntinhos. E incrivelmente, mesmo sem nunca ter visto a Carminho, lhe ficaram mesmo à medida. Pode parecer uma futilidade mas para quem tem bebés tão pequenos é uma dificuldade enorme. 






Após a saída da incubadora demorou cerca de três semanas até chegar o dia mais esperado. Naquela manhã tinha ido a uma consulta de oftalmologia com a Carlota ao Hospital de Santo António no Porto e ia mais tarde ao hospital ter com a Carminho. Recebo uma chamada da neonatologia de Viana. Mal atendi a voz do outro lado, uma colega de curso, diz-me: “Não te assustes! É só para te dizer que a Carminho vai ter alta! Anda com calma do Porto e traz tudo para a levares para casa!”. Comecei automaticamente a chorar e a tentar conter a felicidade mas quando dei por mim já estava em histerismo em plena sala de espera a repetir: a Carminho vai ter alta! A Carminho vai ter alta! 

Cheguei a casa, deixei a Carlota com a minha mãe, peguei nas coisas todas necessárias para trazer a Carminho para casa e voei para o hospital. Cheguei lá e encontrei as duas enfermeiras, curiosamente as duas minhas colegas de curso, tão eufórica quanto eu. Estiveram comigo durante um mês e meio e sabiam o quanto aquele momento era importante para mim. Parecíamos três crianças a vestir a Carminho e a tirar as fotografias que marcavam o dia da alta dela. Aquele era sem sombra de dúvidas um dos dias mais felizes das nossas vidas. Três meses e meio depois levávamos a nossa guerreira para casa. Era o dia em que encerrávamos o capítulo mais difícil da nossa história. Achávamos nós...

Neonatologia | A rotina com uma bebé no hospital e duas em casa

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A partir do dia em que a Carlota teve alta, e passei a ter duas filhas em casa e uma no hospital, sabia que tinha que traçar uma estratégia de forma a conseguir dividir o tempo entre todas. Sabia e senti sempre que a maior prejudicada seria a Carminho porque seria aquela que passaria mais tempo sem a nossa presença mas não havia forma de conseguir contornar isso com uma irmã bebé em casa. 

Tomei a decisão que me pareceu mais funcional e a minha rotina diária passou a ser: levar a Constança à creche por volta das 8h30 e arrancar para o hospital onde ficava até cerca das 14h30/15h, hora a que regressava a casa para ficar com a Carlota. Às 16h30 ia buscar a Constança à creche, passava algum tempo com ela a brincar. Por volta das 20h30 elas adormeciam e assim conseguia dar alguma atenção particular às três. No dia seguinte a rotina mantinha-se e assim foi durante mais um mês e meio. 

Ao contrário do Porto, em que geralmente às 20h os pais regressavam todos a casa e não ficava lá nenhuma mãe durante a noite, todas as mães na neonatologia de Viana do Castelo ficavam lá a dormir e estavam 24h com os filhos. Isso mudava tudo e mexeu muito comigo. A Carminho era a única que ficava sozinha. Se já era muito difícil deixá-las enquanto estavam as duas no Porto em Viana, vendo os outros bebés todos com as respectivas mães, ainda me custava mais. Saía de lá com o coração do tamanho de uma ervilha. Sentia mais do que nunca que a estava a abandonar. Tinha uma pena enorme da minha filha e por isso tentava render ao máximo o tempo que estava lá com ela. Dava-lhe banho, mama/biberão, mudava as fraldas, extraía leite e o resto do tempo era passado exclusivamente com ela ao colo. Optei por não ir almoçar e comer apenas quando chegasse a casa porque perdia pelo menos meia hora a ir ao refeitório almoçar e era mais meia hora que a Carminho estava privada de mim. Não tinha esse direito. 



Na hora de regressar a casa era um tormento. Um peso na consciência indiscritível. Posso afirmar que foi o período mais difícil de todo o internamento. Chegava a casa e tentava compensar a Carlota pelas horas em que estive ausente. Muito colo. Punha-a em canguru e deixava-a dormir assim durante o tempo que ela quisesse até a Constança chegar da creche. A noite custava-me particularmente. Quando dava de mamar à Carlota só pensava na Carminho ali “sozinha” numa incubadora, sem mim. 

A Constança nas duas primeiras semanas achava que a irmã era uma boneca e queria brincar com ela como se se tratasse de uma. Punha e tirava a chupeta, deitava-se ao lado dela, dava-lhe o biberão (com a nossa ajuda claro), gostava de auxiliar no banho e na mudança de fralda. Nunca a podíamos deixar sozinha com a irmã nem por um segundo. Tinha apenas 18 meses e ainda não tinha noção das coisas, inclusive da força. Fazia mimos com tanta força que acabavam por virar estalos. Passou a querer imitar tudo o que a irmã fazia. Deitava-se no ninho e no berço dela, passou a estar imenso tempo na espreguiçadeira (sempre detestou a espreguiçadeira), começou a imitar os sons de bebé da irmã, voltou a querer dar banho deitada igual à mana, a querer que lhe desse o biberão na boca, a querer andar na babycoque (que sempre detestou) e mais uma série de coisas que achava piada ao ver a irmã.

Neonatologia | O dia da alta da Carlota

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Um mês depois delas nascerem o pai começou a trabalhar e eu ia sozinha para o hospital. Geralmente saía de casa por volta das 8h, deixava a Constança na creche, para conseguir chegar lá entre as 9h15/9h30. Só podíamos entrar na neonatologia a partir das 9h e gostava de chegar cedo para aproveitar ao máximo o tempo com elas. Entre poder fazer canguru com ambas, tirar leite, dar atenção às duas, o tempo passava a voar. Quando a Carlota saiu dos intensivos e passou para os intermédios as coisas ainda se complicaram mais porque apesar dos intermédios serem mesmo em frente aos intensivos tinha que andar a saltitar entre uma sala e a outra para repartir o tempo em frações idênticas pelas duas. Não gostava de sentir que estava a beneficiar nenhuma. Nessa altura era mais difícil porque já podia mudar a fralda e amamentar a Carlota o que me roubava mais tempo em relação à Carminho. Nesse período houve também uma greve dos enfermeiros e não nos punham os bebés em canguru. Nos intermédios tínhamos a liberdade de, depois de perguntar se podíamos, tirá-la da incubadora e dar colinho mas nos intensivos tinham que ser os enfermeiros a tirar da incubadora e como tal durante a greve, em cuidados mínimos, não fazíamos canguru. A Carminho chegou a estar quatro dias sem sair da incubadora, sem ter colinho, o que para mim foi imenso tempo e ela precisava de mim. Ao fim desse tempo abriram-me uma excepção e ao quinto dia deixaram-me ser eu a a tirá-la da incubadora e fazer canguru.

Naquela manhã de setembro tinha uma consulta de rotina e ia um pouco mais tarde do que o habitual. Ligaram-me cedo e quando vi o número do hospital fiquei logo assustada. Era a primeira vez que me estavam a ligar desde que as bebés nasceram. Se já me assustava sempre que o telemóvel tocava, quando o contacto era do hospital estarrecia de medo. Atendi apreensiva pelo que iria ouvir mas a voz do outro lado trazia boas notícias: “É para lhe pedir que traga roupinhas para a Carlota e a babycoque para a levar para casa, ela vai ter alta. E a Carminho vai ser transferida hoje para Viana do Castelo”. Finalmente! Ao fim de dois meses ia trazer a minha filha para casa. A felicidade plena não durou muito. Então e agora o que vou fazer à minha vida com uma em casa e outra no hospital? Como me vou dividir entre as duas? Tinha que pensar em toda uma logística. Para além disso estava ainda apreensiva porque a Carminho ia ser transferida para um serviço novo que eu não conhecia e no Porto confiava cegamente em toda a equipa, em Viana não sabia como iria ser porque ainda nos era tudo desconhecido. 

Liguei ao meu marido e pedi-lhe que fosse para casa, tínhamos que ir buscar a Carlota. Chegamos ao hospital por volta das 11h. Vestimos a Carlota com aquela que estava prevista ser a primeira roupinha e que lhe ficava enorme e aguardamos a carta de alta. Enquanto isso prepararam a Carminho para a transferirem. Por volta das 13h30 puseram-na na incubadora de transporte, despedimo-nos dela e ficamos a vê-la sair as portas da neonatologia acompanhada por uma enfermeira, completamente lavados em lágrimas. Não sei explicar concretamente o porquê daquele sentimento mas era um misto de medo pela mudança, de tristeza por sair daquele serviço onde foi tão bem tratada, por não podermos seguir atrás da ambulância e entrarmos com ela na neonatologia de Viana e por a vermos tão pequenina naquela incubadora tão grande que mais parecia uma nave espacial a ser levada de nós. 




A Carlota só teve alta por volta das 15h e depois de mil estratégias para a colocar na babycoque, era tão pequena que se perdia na  babycoque, e já de babycoque na mão despedimo-nos de toda a equipa com um enorme OBRIGADA por serem tão incríveis. Percorremos o corredor em direção à porta de saída do serviço a chorar. Pode parecer ridículo mas no meio da alegria de fecharmos aquele ciclo sentimos também muita tristeza por deixarmos aquele serviço onde apesar de tudo conseguimos ser também muito felizes. Deixávamos profissionais que não esqueceremos jamais, famílias que nos ficaram no coração e aquela que foi a primeira casa das minhas filhas. Chorei quase até casa.

Chegamos a casa, deixamos a Carlota com a minha mãe e corremos para o hospital. Tive a certeza que a verdadeira prova emocional começava naquele dia. Deixar a Carlota recém chegada a casa para ir para o hospital ter com a Carminho que tinha chegado sem os pais a um serviço novo (e o quanto isso me estava a magoar), depois deixá-la lá e ir para casa cuidar da Carlota ia dar cabo de mim. E não me enganei! Foi o período mais difícil de todo o internamento.

Chegamos à neonatologia e tivemos que reaprender tudo. Apesar do básico ser igual em todos os hospitais, sendo um serviço novo há novas regras e regulamentos. Depois de toda a informação inicial fomos até junto da incubadora e lá estava ela serena. Colocamos uma dezena de perguntas à enfermeira, tudo sobre o regulamento do serviço para estarmos familiarizados e ficamos com a Carminho até cerca das 20h30. Regressamos a casa de coração apertado. Ainda não conhecíamos a equipa e daí ainda não termos a mesma segurança que tínhamos no Porto, era legítimo. Para além disso sentíamos que estávamos a beneficiar a Carlota por já estar em casa, como se isso tivesse sido uma decisão nossa.

Estávamos ansiosos por mostrar a Carlota à Constança e ver a reação dela mas como a Constança estava um pouco constipada deixamos a Carlota resguardada no nosso quarto (não fosse o diabo tecê-las) e a Constança não teve contacto com ela durante dois dias. 


Como se já não bastasse toda a loucura que foi este dia e todas as emoções nele envolvidas, por volta da 1h a Constança acordou aos gritos e não havia forma de a acalmar. Nada habitual nela mas como estava constipada e dado aquele cenário parecia evidente que estava com alguma dor forte. Liguei à minha irmã para lhe pedir que ficasse com a Carlota e fomos para o hospital com a Constança. Nem queria acreditar que a primeira noite da Carlota em casa iria ser sem os pais. Ao fim de 2h no hospital, em espera, saímos com o diagnóstico de otite bilateral e medicação para comprar. Regressamos a casa por volta das 4h ansiosos por a nossa vida retomar alguma normalidade.