Quase dois meses depois a alta da Carminho da pediatria

Sem comentários
Vivíamos num hospital há mais de um mês e meio e a minha força estava a desvanecer. O quadro da Carminho não tinha qualquer alteração que me fizesse ver uma luz ao fundo do túnel e a distância das minhas outras filhas já estava a tornar-se insustentável. Só via o meu marido durante cinco minutos à sexta-feira à noite e ao sábado à noite quando trocávamos o turno no hospital.
Sentia-me a chegar ao limite e pedi para falar com a pneumologista. Tinha pensado numa eventual solução e tinha uma proposta para apresentar que talvez fizesse sentido e pudesse ser aceite. 

Entraram no quarto três médicas que já conhecia perfeitamente bem: a pneumologista, a directora de serviço e uma pediatra. Disse-lhes com sinceridade que estava a começar a entrar em desespero porque não via qualquer melhoria. Perguntei-lhes qual era o prognóstico, o porquê da Carminho não estar a passar daquele patamar, o que pretendiam alterar para ela melhorar e podermos ir para casa. E no final apresentei a minha proposta. 

A Carminho alimentava-se quase na totalidade com sonda nasogastrica que arrancava várias vezes ao dia e tinha necessidade de ser entubada novamente. Antes de cada mamada tinha que ser aspirada. Fazia aerossóis de 8/8h. Tinha que estar monitorizada para avaliar as saturações de oxigénio e a frequência cardíaca. Precisava de oxigénio 24h. Então porque não darem-lhe alta, fornecerem-me todo o material necessário e eu prestava esses cuidados em casa? Podia perfeitamente fazê-lo e caso houvesse um agravamento recorria novamente ao hospital. Não podia ter feito esta proposta antes porque fazia medicação endovenosa mas naquele momento tentei a minha sorte sem grandes expectativas de que o fossem permitir. Para minha felicidade a resposta foi positiva. Não poderia ser naquele dia porque havia burocracias a tratar mas iriam começar a tratar de todo o processo.

Nesse mesmo dia iniciou uma oximetria para avaliar a saturação de oxigénio no sangue durante 24h. No dia seguinte saiu o resultado e as médicas vieram conversar comigo. Mesmo a fazer oxigénio a saturação caía durante o sono e a solução encontrada era a Carminho começar a usar um ventilador durante o sono nocturno e as sestas. Perguntaram-me o que achava. Se essa era a solução e se era para o seu benefício então que viesse o ventilador (mal sabia o que iríamos passar para ela se adaptar ao ventilador). No caso da Carminho os benefícios eram imensos a nível respiratório, cardíaco, ao não ter tanto trabalho para respirar iria ajudá-la a engordar e a não estar tão cansada para poder comer e daí poder retirar a sonda. 

No dia seguinte de manhã chegou o ventilador e com ele a notícia da alta da Carminho. Liguei imediatamente ao pai para nos ir buscar e depois estivemos a adaptar-lhe o ventilador. Ela era tão pequenina que não havia uma máscara com um tamanho adequado para a cara dela. A mais pequena que existia teve que ser toda costurada pela minha mãe para ficar perfeitamente adaptada ao rosto dela e assim não haver fugas. Ao contrário do que imaginei até correu muito bem. A médica colocou-lhe o ventilador e ela adormeceu no minuto seguinte. Explicaram-me que iria ser assim, que ela ficava tão relaxa que acabava por adormecer sempre.

Depois do almoço chegou o tão esperado momento. Com a casa às costas de quem ali esteve quase dois meses. Carta de alta na mão, malas, saco do ventilador, saco com sondas nasogastricas, ninho da Carminho que usamos para não se perder na cama, babycoque. Despedimo-nos de todos aqueles que durante tanto tempo foram incansáveis connosco e saímos numa felicidade desmedida. 

Ainda estávamos a caminho de casa e já me estavam a ligar para combinar a entrega do aspirador de secreções e do oxigénio. Tudo extraordinariamente rápido. E de repente tínhamos a nossa casa transformada num hospital! Tínhamos uma Carminho com sonda, com oxigénio, com um ventilador, com um oximetro e com uma tala de Koszla para abdução da anca. O que não nos incomodava rigorosamente nada porque tínhamos o que mais desejávamos: estarmos os cinco em casa, juntos! E ali junto da família ela iria superar tudo.








As emoções de estar quase dois meses fechada num hospital

Sem comentários
Quantas coisas fazemos em cinco meses e meio?

Dois meses foi o tempo que a Carlota esteve na neonatologia. Três meses e meio foi o tempo que esteve a Carminho. 

Na neonatologia ia dormir a casa e embora parte do coração ficasse naquele serviço, a outra metade conseguia assim colmatar as saudades da Constança. Foi ela o nosso equilíbrio durante os meses de neonatologia, aquela que ao final do dia nos fazia sorrir e levantar a moral para mais um dia de luta. Foi-nos fundamental. Penso muitas vezes que se isto tivesse acontecido numa primeira gravidez não teria a força e determinação que tive para enfrentar tantas batalhas. 

O segundo internamento da Carminho (com vírus sincicial respiratório) foi de quase dois meses e esse tempo foi passado inteiramente com ela no hospital, dia e noite. Foi lá que passamos as duas o natal, o meu aniversário.

Na fase inicial estava completamente focada na Carminho e na sua recuperação. Foi levada ao limite (ou como os médicos me disseram muitas vezes: esteve mais para lá do que para cá) e o estado de saúde dela ainda não era estável. Não foi fácil vê-la sofrer tanto, vê-la chorar com dor ou a gritar aflita enquanto lhe aspiravam secreções. Quando fazia a toma do antibiótico tinha sempre que ser picada novamente e era picada imensas vezes até lhe encontrarem uma veia. Já tinha sido tão picada ao longo de tanto tempo que era mesmo difícil encontrar uma veia permeável. O choro dela era como facas a cortarem-me. Desejava sempre trocar de papel com ela. Respirava fundo, mantinha a calma e pensava que só estava a ser feito o que tinha mesmo que ser feito para ela melhorar. Sempre com o máximo de profissionalismo e acima de tudo amabilidade de quem cuidava dela. E sei que também lhes custava muito. 









Os dias passavam e o estado dela estabilizou. Mas embora estivesse estável estava também estagnado. Não havia forma da quantidade de secreções reduzir nem de conseguirem  baixar o débito de oxigénio. Cada vez que reduziam um poucos as saturações caíam de imediato. 
No início os dias foram passando e eu mentalizei-me que ia ser um internamento longo, daí ter vivido pacificamente o dia a dia sem ansiedades. Isto durante as primeiras semanas. A partir de uma certa altura comecei a desesperar. Não via nenhuma evolução que me fizesse criar expectativas em relação ao dia da alta. Os dias passavam e o estado dela era sempre o mesmo, sem melhoras nenhumas. 

Vivia num hospital, sozinha num quarto com a Carminho sem ter com quem conversar, almoçava e jantava sempre sozinha (comida maravilhosa devo dizer, sem qualquer ironia, era realmente boa), sem conseguir descansar praticamente nada e tudo isto era insignificante para mim. O foco não era esse e o que me estava a magoar não era isso. O que ao longo dos dias foi pondo em causa a minha labilidade emocional era o sofrimento da Carminho e o facto de estar longe das minhas outras filhas. Só ia a casa na sexta-feira à noite e regressava ao hospital no sábado ao final da tarde. Não suportava a dor de não poder estar presente nos primeiros meses de vida da Carlota, ela só teve a mãe presente a partir dos seis meses, de não lhe dar colo nem mimo. A Constança estava na fase em que mais precisava de mim, de maior carência afectiva e eu não estava. Dizia a toda a gente: “mamã hopital Minho, Shasha e Coca casa Papã”. Ainda hoje quando lhe digo que vou ao hospital fazer o que quer que seja grita “não!”. 

Não havia dor maior para mim do que estar privada delas, do que não poder ser mãe delas na sua totalidade. Foram dois meses assim. Penso tantas vezes na quantidade de coisas que se faz em dois meses e no quanto dois meses é imenso tempo. 


No total passamos cinco meses e meio dentro de hospitais. É quase meio ano. Naquele momento nem tive noção do tempo. Eram tantos focos, viver o dia a dia tão intensamente que o tempo foi passando sem que eu percebesse.