As emoções de estar quase dois meses fechada num hospital

Quantas coisas fazemos em cinco meses e meio?

Dois meses foi o tempo que a Carlota esteve na neonatologia. Três meses e meio foi o tempo que esteve a Carminho. 

Na neonatologia ia dormir a casa e embora parte do coração ficasse naquele serviço, a outra metade conseguia assim colmatar as saudades da Constança. Foi ela o nosso equilíbrio durante os meses de neonatologia, aquela que ao final do dia nos fazia sorrir e levantar a moral para mais um dia de luta. Foi-nos fundamental. Penso muitas vezes que se isto tivesse acontecido numa primeira gravidez não teria a força e determinação que tive para enfrentar tantas batalhas. 

O segundo internamento da Carminho (com vírus sincicial respiratório) foi de quase dois meses e esse tempo foi passado inteiramente com ela no hospital, dia e noite. Foi lá que passamos as duas o natal, o meu aniversário.

Na fase inicial estava completamente focada na Carminho e na sua recuperação. Foi levada ao limite (ou como os médicos me disseram muitas vezes: esteve mais para lá do que para cá) e o estado de saúde dela ainda não era estável. Não foi fácil vê-la sofrer tanto, vê-la chorar com dor ou a gritar aflita enquanto lhe aspiravam secreções. Quando fazia a toma do antibiótico tinha sempre que ser picada novamente e era picada imensas vezes até lhe encontrarem uma veia. Já tinha sido tão picada ao longo de tanto tempo que era mesmo difícil encontrar uma veia permeável. O choro dela era como facas a cortarem-me. Desejava sempre trocar de papel com ela. Respirava fundo, mantinha a calma e pensava que só estava a ser feito o que tinha mesmo que ser feito para ela melhorar. Sempre com o máximo de profissionalismo e acima de tudo amabilidade de quem cuidava dela. E sei que também lhes custava muito. 









Os dias passavam e o estado dela estabilizou. Mas embora estivesse estável estava também estagnado. Não havia forma da quantidade de secreções reduzir nem de conseguirem  baixar o débito de oxigénio. Cada vez que reduziam um poucos as saturações caíam de imediato. 
No início os dias foram passando e eu mentalizei-me que ia ser um internamento longo, daí ter vivido pacificamente o dia a dia sem ansiedades. Isto durante as primeiras semanas. A partir de uma certa altura comecei a desesperar. Não via nenhuma evolução que me fizesse criar expectativas em relação ao dia da alta. Os dias passavam e o estado dela era sempre o mesmo, sem melhoras nenhumas. 

Vivia num hospital, sozinha num quarto com a Carminho sem ter com quem conversar, almoçava e jantava sempre sozinha (comida maravilhosa devo dizer, sem qualquer ironia, era realmente boa), sem conseguir descansar praticamente nada e tudo isto era insignificante para mim. O foco não era esse e o que me estava a magoar não era isso. O que ao longo dos dias foi pondo em causa a minha labilidade emocional era o sofrimento da Carminho e o facto de estar longe das minhas outras filhas. Só ia a casa na sexta-feira à noite e regressava ao hospital no sábado ao final da tarde. Não suportava a dor de não poder estar presente nos primeiros meses de vida da Carlota, ela só teve a mãe presente a partir dos seis meses, de não lhe dar colo nem mimo. A Constança estava na fase em que mais precisava de mim, de maior carência afectiva e eu não estava. Dizia a toda a gente: “mamã hopital Minho, Shasha e Coca casa Papã”. Ainda hoje quando lhe digo que vou ao hospital fazer o que quer que seja grita “não!”. 

Não havia dor maior para mim do que estar privada delas, do que não poder ser mãe delas na sua totalidade. Foram dois meses assim. Penso tantas vezes na quantidade de coisas que se faz em dois meses e no quanto dois meses é imenso tempo. 


No total passamos cinco meses e meio dentro de hospitais. É quase meio ano. Naquele momento nem tive noção do tempo. Eram tantos focos, viver o dia a dia tão intensamente que o tempo foi passando sem que eu percebesse.

Sem comentários :

Enviar um comentário