Neonatologia | O dia da alta da Carlota

Um mês depois delas nascerem o pai começou a trabalhar e eu ia sozinha para o hospital. Geralmente saía de casa por volta das 8h, deixava a Constança na creche, para conseguir chegar lá entre as 9h15/9h30. Só podíamos entrar na neonatologia a partir das 9h e gostava de chegar cedo para aproveitar ao máximo o tempo com elas. Entre poder fazer canguru com ambas, tirar leite, dar atenção às duas, o tempo passava a voar. Quando a Carlota saiu dos intensivos e passou para os intermédios as coisas ainda se complicaram mais porque apesar dos intermédios serem mesmo em frente aos intensivos tinha que andar a saltitar entre uma sala e a outra para repartir o tempo em frações idênticas pelas duas. Não gostava de sentir que estava a beneficiar nenhuma. Nessa altura era mais difícil porque já podia mudar a fralda e amamentar a Carlota o que me roubava mais tempo em relação à Carminho. Nesse período houve também uma greve dos enfermeiros e não nos punham os bebés em canguru. Nos intermédios tínhamos a liberdade de, depois de perguntar se podíamos, tirá-la da incubadora e dar colinho mas nos intensivos tinham que ser os enfermeiros a tirar da incubadora e como tal durante a greve, em cuidados mínimos, não fazíamos canguru. A Carminho chegou a estar quatro dias sem sair da incubadora, sem ter colinho, o que para mim foi imenso tempo e ela precisava de mim. Ao fim desse tempo abriram-me uma excepção e ao quinto dia deixaram-me ser eu a a tirá-la da incubadora e fazer canguru.

Naquela manhã de setembro tinha uma consulta de rotina e ia um pouco mais tarde do que o habitual. Ligaram-me cedo e quando vi o número do hospital fiquei logo assustada. Era a primeira vez que me estavam a ligar desde que as bebés nasceram. Se já me assustava sempre que o telemóvel tocava, quando o contacto era do hospital estarrecia de medo. Atendi apreensiva pelo que iria ouvir mas a voz do outro lado trazia boas notícias: “É para lhe pedir que traga roupinhas para a Carlota e a babycoque para a levar para casa, ela vai ter alta. E a Carminho vai ser transferida hoje para Viana do Castelo”. Finalmente! Ao fim de dois meses ia trazer a minha filha para casa. A felicidade plena não durou muito. Então e agora o que vou fazer à minha vida com uma em casa e outra no hospital? Como me vou dividir entre as duas? Tinha que pensar em toda uma logística. Para além disso estava ainda apreensiva porque a Carminho ia ser transferida para um serviço novo que eu não conhecia e no Porto confiava cegamente em toda a equipa, em Viana não sabia como iria ser porque ainda nos era tudo desconhecido. 

Liguei ao meu marido e pedi-lhe que fosse para casa, tínhamos que ir buscar a Carlota. Chegamos ao hospital por volta das 11h. Vestimos a Carlota com aquela que estava prevista ser a primeira roupinha e que lhe ficava enorme e aguardamos a carta de alta. Enquanto isso prepararam a Carminho para a transferirem. Por volta das 13h30 puseram-na na incubadora de transporte, despedimo-nos dela e ficamos a vê-la sair as portas da neonatologia acompanhada por uma enfermeira, completamente lavados em lágrimas. Não sei explicar concretamente o porquê daquele sentimento mas era um misto de medo pela mudança, de tristeza por sair daquele serviço onde foi tão bem tratada, por não podermos seguir atrás da ambulância e entrarmos com ela na neonatologia de Viana e por a vermos tão pequenina naquela incubadora tão grande que mais parecia uma nave espacial a ser levada de nós. 




A Carlota só teve alta por volta das 15h e depois de mil estratégias para a colocar na babycoque, era tão pequena que se perdia na  babycoque, e já de babycoque na mão despedimo-nos de toda a equipa com um enorme OBRIGADA por serem tão incríveis. Percorremos o corredor em direção à porta de saída do serviço a chorar. Pode parecer ridículo mas no meio da alegria de fecharmos aquele ciclo sentimos também muita tristeza por deixarmos aquele serviço onde apesar de tudo conseguimos ser também muito felizes. Deixávamos profissionais que não esqueceremos jamais, famílias que nos ficaram no coração e aquela que foi a primeira casa das minhas filhas. Chorei quase até casa.

Chegamos a casa, deixamos a Carlota com a minha mãe e corremos para o hospital. Tive a certeza que a verdadeira prova emocional começava naquele dia. Deixar a Carlota recém chegada a casa para ir para o hospital ter com a Carminho que tinha chegado sem os pais a um serviço novo (e o quanto isso me estava a magoar), depois deixá-la lá e ir para casa cuidar da Carlota ia dar cabo de mim. E não me enganei! Foi o período mais difícil de todo o internamento.

Chegamos à neonatologia e tivemos que reaprender tudo. Apesar do básico ser igual em todos os hospitais, sendo um serviço novo há novas regras e regulamentos. Depois de toda a informação inicial fomos até junto da incubadora e lá estava ela serena. Colocamos uma dezena de perguntas à enfermeira, tudo sobre o regulamento do serviço para estarmos familiarizados e ficamos com a Carminho até cerca das 20h30. Regressamos a casa de coração apertado. Ainda não conhecíamos a equipa e daí ainda não termos a mesma segurança que tínhamos no Porto, era legítimo. Para além disso sentíamos que estávamos a beneficiar a Carlota por já estar em casa, como se isso tivesse sido uma decisão nossa.

Estávamos ansiosos por mostrar a Carlota à Constança e ver a reação dela mas como a Constança estava um pouco constipada deixamos a Carlota resguardada no nosso quarto (não fosse o diabo tecê-las) e a Constança não teve contacto com ela durante dois dias. 


Como se já não bastasse toda a loucura que foi este dia e todas as emoções nele envolvidas, por volta da 1h a Constança acordou aos gritos e não havia forma de a acalmar. Nada habitual nela mas como estava constipada e dado aquele cenário parecia evidente que estava com alguma dor forte. Liguei à minha irmã para lhe pedir que ficasse com a Carlota e fomos para o hospital com a Constança. Nem queria acreditar que a primeira noite da Carlota em casa iria ser sem os pais. Ao fim de 2h no hospital, em espera, saímos com o diagnóstico de otite bilateral e medicação para comprar. Regressamos a casa por volta das 4h ansiosos por a nossa vida retomar alguma normalidade.

1 comentário :

  1. aww! ena pá. que loucura! mas vale tudo a pena <3

    Já agora, aproveito para te convidar para conheceres o meu novo pojecto Table for two! é um blog em portugues sobre comida e outras coisas mais! :)

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