Neonatologia | A rotina com uma bebé no hospital e duas em casa

A partir do dia em que a Carlota teve alta, e passei a ter duas filhas em casa e uma no hospital, sabia que tinha que traçar uma estratégia de forma a conseguir dividir o tempo entre todas. Sabia e senti sempre que a maior prejudicada seria a Carminho porque seria aquela que passaria mais tempo sem a nossa presença mas não havia forma de conseguir contornar isso com uma irmã bebé em casa. 

Tomei a decisão que me pareceu mais funcional e a minha rotina diária passou a ser: levar a Constança à creche por volta das 8h30 e arrancar para o hospital onde ficava até cerca das 14h30/15h, hora a que regressava a casa para ficar com a Carlota. Às 16h30 ia buscar a Constança à creche, passava algum tempo com ela a brincar. Por volta das 20h30 elas adormeciam e assim conseguia dar alguma atenção particular às três. No dia seguinte a rotina mantinha-se e assim foi durante mais um mês e meio. 

Ao contrário do Porto, em que geralmente às 20h os pais regressavam todos a casa e não ficava lá nenhuma mãe durante a noite, todas as mães na neonatologia de Viana do Castelo ficavam lá a dormir e estavam 24h com os filhos. Isso mudava tudo e mexeu muito comigo. A Carminho era a única que ficava sozinha. Se já era muito difícil deixá-las enquanto estavam as duas no Porto em Viana, vendo os outros bebés todos com as respectivas mães, ainda me custava mais. Saía de lá com o coração do tamanho de uma ervilha. Sentia mais do que nunca que a estava a abandonar. Tinha uma pena enorme da minha filha e por isso tentava render ao máximo o tempo que estava lá com ela. Dava-lhe banho, mama/biberão, mudava as fraldas, extraía leite e o resto do tempo era passado exclusivamente com ela ao colo. Optei por não ir almoçar e comer apenas quando chegasse a casa porque perdia pelo menos meia hora a ir ao refeitório almoçar e era mais meia hora que a Carminho estava privada de mim. Não tinha esse direito. 



Na hora de regressar a casa era um tormento. Um peso na consciência indiscritível. Posso afirmar que foi o período mais difícil de todo o internamento. Chegava a casa e tentava compensar a Carlota pelas horas em que estive ausente. Muito colo. Punha-a em canguru e deixava-a dormir assim durante o tempo que ela quisesse até a Constança chegar da creche. A noite custava-me particularmente. Quando dava de mamar à Carlota só pensava na Carminho ali “sozinha” numa incubadora, sem mim. 

A Constança nas duas primeiras semanas achava que a irmã era uma boneca e queria brincar com ela como se se tratasse de uma. Punha e tirava a chupeta, deitava-se ao lado dela, dava-lhe o biberão (com a nossa ajuda claro), gostava de auxiliar no banho e na mudança de fralda. Nunca a podíamos deixar sozinha com a irmã nem por um segundo. Tinha apenas 18 meses e ainda não tinha noção das coisas, inclusive da força. Fazia mimos com tanta força que acabavam por virar estalos. Passou a querer imitar tudo o que a irmã fazia. Deitava-se no ninho e no berço dela, passou a estar imenso tempo na espreguiçadeira (sempre detestou a espreguiçadeira), começou a imitar os sons de bebé da irmã, voltou a querer dar banho deitada igual à mana, a querer que lhe desse o biberão na boca, a querer andar na babycoque (que sempre detestou) e mais uma série de coisas que achava piada ao ver a irmã.



A Carlota era uma bebé muito tranquila o que me permitia dar muita atenção à Constança quando esta chegava a casa. O meu maior objetivo era não descartar a atenção a nenhuma das minhas filhas. A Constança ainda era muito bebé e precisava do tempo dela connosco. Devíamos-lhe isso. Essa foi também a maior dificuldade que tivemos. Dar atenção a duas bebés em casa tendo ainda outra no hospital foi um autêntico desafio que infelizmente nem sempre conseguimos cumprir. Ao fim de semana como não tinha creche ainda sentíamos mais essa falha porque as horas que estávamos no hospital não estava connosco. Era frustrante quando me deitava com a sensação que não dei a devida atenção a uma das minhas filhas.


Como na neonatologia não havia noite e dia, havia sempre luz (embora à noite fosse mais reduzida) e movimento porque os enfermeiros tinham que trabalhar, os bebés dormiam e acordavam quando queriam. Quando a Carlota teve alta demorou algum tempo até perceber que à noite era para dormir. Tínhamos obrigatoriamente que a acordar de 3/3h para ela mamar por causa do peso e ela despertava completamente. Depois de mamar ficava cerca de 1h30/2h acordada e nesse período queria estar em canguru, talvez por se sentir mais segura. Quando adormecia eu tinha que a acordar 1h depois porque já era hora de mamar outra vez e a história repetia-se. Era esgotante mas naquela altura era irrelevante para mim. Estava tão grata por a ter ali connosco e tão ansiosa por ter a Carminho para casa que as noites (muito) mal dormidas não me faziam muita confusão. Já a Carminho tinha tido alta quando as noites da Carlota começaram a melhorar. 

A Carminho teve altos e baixos durante este mês e meio e eu andava francamente triste. Era pesada de dois em dois dias e ora perdia peso, ora ganhava apenas 5/10gr. A anemia dela voltou a agravar e teve que fazer mais uma transfusão de sangue. À medida que o tempo passava a minha ansiedade de a levar para casa aumentava e o facto de não conseguir ver uma luz ao fundo do túnel estava a enlouquecer-me. 
Quando temos uma vida normal três meses e meio até passam relativamente rápido mas quando esses três meses e meio são passados numa correria entre hospital/casa, com uma avalanche de sentimentos e preocupações à mistura, demoram uma eternidade a passar. Cheguei a invejar muitas vezes as pessoas que tinham uma vida normal, e que mesmo assim se queixavam de coisas supérfluas, e deixei de ter paciência para falar com pessoas que fizessem parte do mundo fora da neonatologia porque não conseguiam perceber de todo o que nós estávamos a sentir e até desvalorizavam um pouco a situação. 

Três meses e meio depois chegou o dia tão ansiado!

1 comentário :

  1. Tento imaginar essa sensação de frustração, tristeza e peso na consciência por estar sempre a tentar ser correta e não falhar com nenhuma das princesas! Só isso faz logo de si uma GRANDE mãe! ❤❤

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