Neonatologia | Levar um prematuro para casa

O dia da alta de um prematuro, após uma temporada na neonatologia, é o dia mais esperado pelos pais. Não é exagero dizer que foi um dos três dias mais felizes da minha vida, igualando-se ao dia do nascimento da Constança e ao dia do meu casamento. Mas foi também um passo que nos deixou muito apreensivos. É o dia em que se desligam os monitores e ficamos por nossa conta. Não podemos fazer mais leituras permanentes de saturações de oxigénio nem de frequência cardíaca e também não toca um alarme de cada vez que saem dos parâmetros normais. Essas leituras passam a ser feitas apenas com os sinais que elas nos passam e com um olhar atento da nossa parte. Não temos os enfermeiros a quem recorrer cada vez que temos dúvidas ou medos. Não temos uma sonda por onde administrar o leite quando não o bebem na totalidade. Levantam-se imensos receios que nos deixam apreensivos: e se não nos apercebermos de que não estão bem? E se não formos a tempo? E se precisarem de algo urgente e a ajuda não chegar a tempo? E se não comem? E se não engordam o suficiente? Não éramos pais se primeira viagem mas aqueles bebés tão pequeninos, de nem sequer 2kg, e tão frágeis exigiam de nós muito mais do que a Constança alguma vez exigiu. Como sempre, respirei fundo e tentei não dramatizar. O meu instinto de mãe ia ajudar-me a perceber se algo não estivesse bem. 

Levar um prematuro para casa é levar também uma bíblia de panfletos informativos com todos os sinais de alarme, todos os cuidados recomendados, toda a informação sobre o que era normal e anormal acontecer. Li cuidadosamente cada um deles. Precisava de estar perita na matéria para estar atenta a tudo. 

Levar um prematuro para casa é pôr um despertador a tocar religiosamente de 3/3horas para lhes dar de comer. Elas precisavam de engordar e era fundamental não falhar nos horários. É ficar stressado quando não bebem a totalidade do leite porque a nossa maior preocupação é o aumento de peso. É ficar desiludido quando não aumentam nada ou aumentam poucos gramas. É comprar uma balança própria para continuar a pesa-las em dias alternados e evitar as idas ao centro de saúde com receio de que possam ficar doentes.

Levar um prematuro para casa é morrer de medo que elas possam ficar doentes e terem que voltar para o hospital. Um vírus ou uma bactéria num prematuro pode ser fatal nos primeiros meses de vida. É ficar paranóico com a lavagem e desinfeção das mãos antes de tocar em cada uma delas e passar essa paranóia para a Constança que já o fazia sem termos que lhe dizer. É não permitir visitas, por indicação médica, e sermos mal interpretados e criticados por algumas pessoas que não compreendem a fragilidade do sistema imunitário de um prematuro e os riscos inerentes. É sair de casa única e exclusivamente para consultas médicas e mesmo assim irmos cheios de medo de que possam ficar doentes. É passar oito meses em clausura para protegermos as nossas filhas. 

Levar um prematuro para casa é termos imensas consultas, uma média de três por semana numa fase inicial. É acordar inúmeras vezes e ir inúmeras vezes ao berço quando estão a dormir para nos certificarmos de que a respiração está normal e de que estão bem. É ter medo de lhes tirarmos os olhos de cima por receio de que possam não estar bem e nós não nos apercebermos. 

Levar um prematuro para casa é morrer de medo de que, a qualquer momento, possamos ter que voltar para o hospital e a cada ida à urgência rezarmos para que estejam bem e não precisem de ficar internadas porque já não aguentamos passar mais tempo no hospital e vê-las sofrer.

Levar um prematuro para casa é passar noites e noites sem dormir porque elas não tem a rotina do sono definida (na neonatologia há sempre luz e por isso não há noite nem dia, dormem quando querem). É passarmos noites e noites a dormir sentados com elas em canguru porque era a única forma delas se sentirem seguras e dormirem.

Mas levar um prematuro para casa é acima de tudo querer ficar agarrados a elas tipo lapas para recuperar todo o tempo em que não o pudemos fazer. É passar horas com elas a dormir no nosso peito e não conseguirmos deita-las. É termos um brilho nos olhos cada vez que as deitamos no berço, que as vemos finalmente a preencher aqueles berços que durante tanto tempo estiveram vazios. É ficar radiante ao vermos as roupinhas, que até então eram largas e grandes, a ficarem preenchidas. É desejar esquecer todo o sofrimento que as vimos passar. É desejar que o tempo passe devagarinho para que elas fiquem bebés durante muito tempo para podermos aproveitar cada momento ao máximo. 



1 comentário :

  1. Que desgastante que deve ter sido toda essa fase... mas é agradecer todos os dias por elas estarem bem, felizes como podemos testemunhar nas fotos que vemos diariamente. beijinhos

    ResponderEliminar