Já em casa pensei que as perdia

Na neonatologia já nos tinham dito que é normal um prematuro bolçar bastante, nunca pensamos é que seria tanto. A Carlota dava-nos a impressão que bolçava a totalidade do leite que ingeria. Cada vez que mamava tinha que mudar a roupa porque se molhava toda.

A primeira vez que aconteceu foi num dia à tarde, cerca de uma semana depois de ter tido alta. Estava a dormir ao meu lado no sofá, de barriga para cima como é aconselhado, e de repente começou a mexer freneticamente os braços. Olhei para ela e percebi que estava a deitar um pouco de leite pela boca, que não conseguia respirar e que estava a mudar de cor. Estava engasgada com o leite. Temi o pior. Instintivamente virei-a ao contrário, pousei-a sobre a minha mão esquerda e com a direita comecei a dar-lhe palmadas nas costas (é a chamada Manobra de Heimlich). Não reagiu tão rápido quanto eu queria e naquele desespero meia dúzia de segundos parecem horas. Ao fim de alguns segundos começou a tossir, a chorar e a expelir o leite pela boca. Coloquei-a encostada ao meu peito. Tal como eu estava assustada. E só depois de reverter a situação é que entrei em choque. Pensei mesmo que a podia perder. O que raio tinha acabado de acontecer? Sabia perfeitamente o que tinha sido mas estava incrédula. E se eu não estivesse ao lado dela? E se fosse durante a noite e eu não acordasse? E se fosse durante o tempo que eu passava no hospital com a Carminho e a minha mãe não ia saber actuar? A minha filha podia ter morrido.

Os minutos que se seguiram ao pós choque foram de decisões. Devo levar à urgência para ser avaliada? Não me parecia boa ideia porque era muito arriscado para um prematuro. Devo ligar ao pediatra? Ou devo aguardar e estar atenta nas próximas horas. Ela estava reactiva, bem disposta e alimentou-se normalmente a seguir por isso aparentemente estava tudo bem. 

Instalou-se o medo. Sabia que podia voltar a acontecer e tinha medo de não me aperceber e agir atempadamente. Dei uma explicação à minha mãe caso acontecesse durante o tempo em que eu não estivesse e passei a dormir mesmo mal para poder estar atenta. E aconteceu. Não uma, nem duas mas bastantes vezes. A segunda vez levei-a urgência mas como ela era amamentada com o meu leite não havia nada a fazer. Só mais tarde o pediatra sugeriu que extraísse o meu leite e adicionasse espessante. Foi remédio santo. Para além disso passei a deita-la de lado (que não é mesmo aconselhado mas no desespero fiz) e nunca mais aconteceu. 

Quando a Carminho teve alta a Carlota já não tinha estes episódios há algum tempo. Mas uns dias depois eis que o mesmo acontece com a Carminho. Também num dia à tarde a vejo a mexer freneticamente os braços e todos os restantes sinais iguais a Carlota. A mesma reação da minha parte e o mesmo choque imediatamente a seguir. No caso da Carminho chamei o INEM. Ficou prostrado, sonolenta e com uma respiração ruidosa. Valeu-nos mais duas noites na neonatologia em observação e uma alta com indicação para dar leite materno com espessante ou leite adaptado AR. Mesmo assim ainda teve uns cinco episódios. 


A coisa em que eu mais pensava era que se eu não soubesse como agir no momento era claro que  a ambulância não conseguia chegar a tempo. E depois de tudo o que elas já tinha passado podia te-las perdido. Foram sustos de morte e um medo incontrolável. 

Sem comentários :

Enviar um comentário