Neonatologia | Nem todos os finais são felizes

Infelizmente nem todos os finais são felizes na neonatologia. Ao longo dos três meses e meio em que estive lá não presenciamos só casos de sucesso, presenciamos também perdas. Foram três os bebés de quem nos despedimos. Perdas essas irreparáveis para os pais mas também muito sentidas pelos outros pais. 

O primeiro bebé que “vimos” partir foi o primeiro vizinho da Carminho e foi precisamente dois dias depois das nossas filhas nascerem. Os pais, muito simpáticos, tinham tentado consolar-me no dia anterior, quando vi as gémeas pela primeira vez e estava arrasada, e disseram-me que o filho já estava lá há um mês. Era um bebé bem grande em relação às minhas e não sei em concreto o que aconteceu. Sei que naquela manhã os médicos estavam reunidos à volta dele e a dada altura pediram a todos os pais que saíssem (já referi anteriormente que tínhamos que sair sempre que fossem fazer algum procedimento mais delicado). Como eu ainda estava internada subi até ao quarto. Mais tarde quando regressei o bebé não estava lá. Deduzi o que poderia ter acontecido mas não podíamos perguntar nada acerca dos outros bebés por uma questão de sigilo e por isso só mais tarde tive a confirmação através de outra mãe que estava lá quando os pais receberam a notícia. Confesso que aquilo me abalou muito. Por pensar nos pais que estiveram um mês com o filho e ao fim desse tempo a aumentarem um vínculo afetivo ficaram sem ele. Caramba! Como é que se lida com isto? Como é que se ultrapassa uma dor destas? E por perceber que um mês depois isso ainda podia acontecer, nunca estavam fora de perigo. 


O segundo bebé que “perdemos” tinha nascido no mesmo dia das nossas filhas. Partiu 10 dias depois de nascer. Naquele dia achamos estranho não termos visto lá os pais, estávamos diariamente com eles. Quando fui extrair leite outra mãe perguntou-me se eu sabia o que tinha acontecido porque de manhã cedo viu os pais lá a chorarem e o bebé já não estava lá. Não fazia a mínima ideia mas tudo apontava para o pior. E confirmamos mais tarde. Fiquei incrédula. Nem queria acreditar. Senti essa perda de uma forma muito intensa. Tinha nascido no mesmo dia das gêmeas e na minha cabeça ao fim daquele tempo já nada lhes ia acontecer mas ao ver o que aconteceu ao bebé percebi que afinal ainda tudo podia acontecer. Como convivíamos com os pais senti muito a dor deles, verdadeiramente. Pode parecer ridículo mas era como se aquela perda também fosse um pouco nossa. Andei com um nó na garganta vários dias, mesmo sentida pelo que aconteceu.


A terceira perda foi uma menina. Uma bebé de termo que depois de nascer estava no internamento com a mãe. Na primeira noite a mãe apercebeu-se de que havia algo de errado com a respiração dela e alertou as enfermeiras. No dia seguinte desceu para a neonatologia. Estava na incubadora atrás da Carminho. Não me recordo quantos dias ao certo esteve lá mas durante esse tempo a mãe dizia-me que lhe faziam imensos exames e que ainda não sabiam ao certo o diagnóstico. Poucos dias depois cruzei-me com os pais à saída do elevador, eles a sair e eu a chegar, completamente desolados. Não houve tempo para perguntar nada mas quando entrei na neonatologia e vi a incubadora vazia percebi o que tinha acontecido.


Era estranho porque os pais (evidentemente) desapareciam, a incubadora era logo substituída por outra pronta a receber outro bebé e entre profissionais não se ouvia falar mais do assunto, dando a sensação de que nada tinha acontecido. Mas entre os pais não era bem assim. O medo e as dúvidas aumentavam e toda a segurança que pudesse ter era abalada naqueles dias. 


Durante o tempo que passamos na neonatologia os outros pais são as pessoas com quem passamos mais tempo, são os que estão lá quando recebemos boas e más notícias e é com eles que desabafamos numa primeira fase. É com eles que almoçamos, que lanchamos à pressa na sala dos pais. Criam-se laços, uma ligação especial entre todos. Estamos todos no mesmo barco, a viver exactamente a mesma experiência e ninguém percebe melhor o que estamos a sentir do que eles. É o clichê “só quem passa pela neonatologia sabe o que se sente”. Torcemos pelos outros bebés como torcemos pelos nossos. Interessámo-nos verdadeiramente por todos, pelas conquistas diárias. E inevitavelmente sofremos a dor dos outros assim como vibramos com as alegrias.


1 comentário :

  1. Ao ler só conseguia acenar com a cabeça e lembrar-me que passei 2 meses na neo (no final do ano passado) e nesse tempo só pedia que nada acontecesse a nenhum dos bebés que estava internado. Na última semana antes de o meu filho ter alta (23 de Dezembro) foram 5 perdas... Assim todas seguidas e sem dúvida que só quem passa por lá sabe. Eram tantas emoções juntas! Ainda hoje me questiono como os pais desses bebes conseguem ultrapassar isso.

    ResponderEliminar