Neonatologia | A revolta contra Deus

Durante a gravidez, mediante as complicações que foram surgindo, foram muitas as vezes em que rezei. Morria de medo que algo pudesse correr mal e rezava imenso numa tentativa desesperada de pedir auxílio. Nunca tinha tido necessidade de rezar para pedir ajuda, apenas o fazia por gosto mas nessa fase tive mesmo essa necessidade.

Sou católica praticante, catequista há 20 anos, e sempre me agarrei à fé. Depois das gémeas nascerem todas as pessoas que me enviavam mensagens ou telefonavam para saber notícias das meninas se despediam com algo do género: tens que ter fé; muita fé; tem fé que vai correr tudo bem; Deus é grande. Não respondia para não parecer ingrata. Só que aconteceu precisamente o oposto. Perdi a fé por completo. Revoltei-me completamente contra Deus. Questionei muita coisa. Não conseguia aceitar que O Deus em quem eu sempre confiei e que sempre servi tivesse a castigar as minhas filhas daquela forma. Não conseguia perceber o porquê de dois seres tão inofensivos que nunca fizeram mal a ninguém tivessem que estar a sofrer daquela forma. Não fazia sentido. A minha cabeça só pensava que se Deus realmente existisse não podia permitir que dois bebés tivessem que passar por aquilo. Se nos quisesse pôr à prova ou dar uma lição de vida então que o sofrimento físico fosse atribuído a nós e não a quem não merecia. E mesmo que nos estivesse a castigar a nós não conseguia perceber o porquê. 

Ao longo de todo o internamento todos os meus familiares e alguns amigos fizeram inúmeras promessas e rezaram muito em prol da recuperação das meninas e não há um “obrigada” que seja suficientemente justo para lhes agradecer. Enquanto isso eu não consegui fazer nenhuma promessa, nem rezar uma única vez tal era a minha revolta. Se Ele tinha permitido que elas estivessem naquela situação tinha obrigação de as ajudar sem eu ter que pedir. Estava mesmo zangada com Deus. Via as minhas filhas a sofrerem diariamente e a lutarem sozinhas com quantas forças tinham para sobreviver, a única ajuda que tinham era dos médicos e enfermeiros que lutaram sempre com elas. Ao longo deste percurso ainda perdi uma amiga muito querida , a melhor pessoa que já conheci, após uma longa jornada de luta. Dedicou-se a vida toda à Igreja. E mais acentuou a minha revolta. Se Deus existisse porquê que a tinha feito carregar uma cruz tão pesada para depois a levar? 

Diversas vezes me pesou a consciência por não conseguir rezar pelas minhas filhas e várias foram as vezes em que tentei fazê-lo mas quando começava sentia falsidade da minha parte porque não estava a fazê-lo com fé e convicção, estava apenas a fazê-lo porque achava mal não rezar por elas e então desistia. Preferia falar-lhes ou cantar-lhes numa demonstração de amor. Afinal é o amor que cura tudo, não é? 

Quando tudo isto terminou e finalmente tive as minhas filhas em casa não consegui retomar logo a catequese. Tive um afastamento de meses porque não conseguia fazer algo que me suscitava dúvidas. Fui fazendo uma introspecção e recuperando a minha fé. Neste momento já fiz as pazes com Deus. Não foi de um dia para o outro e ainda não está a 100% mas estou no bom caminho. 


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