Gravidez | O parto

Qualquer mulher anseia o dia do parto. Umas por medo da dor mas todas por conhecer e ter nos braços o nosso maior amor. Assim foi no parto da Constança, o dia mais feliz da minha vida! Mas quando tudo sai do padrão normal e há riscos envolvidos o caso muda de figura.

Antes de entrar para o bloco fui até à sala de recobro porque estavam a acabar de limpar o bloco e não podia entrar antes de terminarem. Aí entrei literalmente numa crise de ansiedade. Tremia como se estivesse na Sibéria e transpirava como se estivesse no México. Quando tentava falar a minha voz saía trémula e com falhas. Foram buscar-me um cobertor porque achavam que eu tinha frio mas expliquei que não era frio, que estava em pânico e a enfermeira disse-me: “é mau quando sabemos de mais não é?”. 

O bloco estava limpo e eu ia entrar. Era só sair daquela porta e entrar na porta mesmo em frente. Entrei no bloco, enorme e vazio de objectos, e mesmo no meio estava a mesa para onde eu ia ser transferida. Encostadas à parede estavam duas encubadoras afastadas uma da outra. Lá dentro estavam imensos (imensos mesmo) profissionais. Por momentos lembrei-me de Londres quando estavam tantos profissionais a assistir ao meu tratamento. Transferiram-me para a mesa de operações e uma obstetra, à qual só conseguia ver uns lindos olhos verdes por cima da máscara, disse-me para não me assustar com tantas pessoas na sala mas estavam duas equipas de médicos, obstetras e pediatras, médicos suplentes (caso fossem necessários), enfermeiros do bloco, enfermeiros da neonatologia e anestesistas. Só pediatras eram quatro, dois para cada bebé, e ainda dois suplentes. Obstetras eram outros quatro. Mesmo com tantas pessoas no bloco não havia barulho. Jamais esquecerei toda a delicadeza de toda a equipa. Começaram a monitorizar-me e administraram a anestesia. A minha ansiedade estava no auge, de tal forma que o oximetro saía projectado do meu dedo com tanto suor. Lembro-me de dizer a mim própria: “Que vergonha, tens que te acalmar! Pareces uma criança descontrolada.. Vou pensar no mar e no seu som”. E estava a esforçar-me mas não estava a resultar. Sentia o meu corpo a tremer e foram buscar mais um cobertor, apesar de eu dizer que não era frio. Os dois anestesistas estavam atrás da minha cabeça, de mãos dadas a mim. Ao meu lado estava uma pediatra “suplente” que depois me foi relatando o parto todo. 

Perguntaram-me o nome das meninas para escreverem nas pulseiras e no quadro. Quando lhes disse a reação na sala foi geral: que nomes bonitos! Na hora até pensei que a reação era para eu tentar acalmar-me mas no final até foram dar os parabéns ao pai por termos escolhido uns nomes tão bonitos. Perguntaram-me se os nomes eram ao acaso ou se tínhamos definido para quem era cada nome. Expliquei que a pequenina era a Carminho e a maior a Carlota. 

A obstetra disse que me iam algaliar naquele momento. A seguir deitaram água fria na minha perna e na minha barriga e perguntou se estava a sentir. Sentia tudo. Aumentaram a anestesia e repetiram o teste. Continuava a sentir. O anestesista perguntou à sua colega se não era melhor eu ser sedada mas a anestesista respondeu que no meu caso não podiam. Só dias depois é que o meu cérebro atingiu o porquê! O sedativo ia ter efeitos nas bebés e poderia ser muito prejudicial. Repetiram o teste mais duas vezes e à terceira deixei de sentir. “Vamos então começar” disse a obstetra. 

Oh meu Deus! É agora. Enquanto sentia o bisturi a deslizar no meu abdómen (sem ter dor) só pensava “elas vão viver, elas vão viver, elas vão viver”. Mas por dentro estava morta de medo de ouvir o pior. Não havia nada que me estivesse a assustar mais. Tinha muito medo que uma delas entrasse em paragem cardíorrespiratória e não sobrevivesse. Eu não estava mesmo preparada para perder uma delas e muito menos as duas. 

A pediatra e a anestesista iam relatando todos os passos e eu ia ouvindo. A seguir comecei a sentir algo idêntico a esticar a pele da barriga para abrirem o orifício para as tirar e de repente sinto uma pressão enorme como se as tivessem a arrancar de dentro de mim e “A Carlota está a nascer”, “Ai que bonito, a Carminho saiu com ela, ao mesmo tempo!”. Às 12h45 e às 12h46 nasceram. E, tal como quando a Constança nasceu, começo a chorar de emoção. E a minha ansiedade passou a ser ouvi-las chorar, era sinal de vida. Não sei precisar quanto tempo demorou até isso acontecer porque naquele momento pareceu-me uma eternidade mas penso que tenham sido alguns segundo até me dizerem que era a Carlota a chorar, um som muito baixinho e fraco mas chorou. Cerca de um minuto depois foi a vez da Carminho, num som quase não audível. 

A pediatra foi-me dizendo que estavam a monitorizar as duas e os respectivos pesos, medidas e índices de APGAR enquanto as obstetras terminavam de cuidar de mim. E eis que a mesma pediatra que esteve sempre ao meu lado a contar-me tudo se ausentou um pouco e quando regressou trouxe-me uma notícia totalmente inesperada. De uma forma muito meiga e delicada, tal como aconteceu durante todo o parto, diz-me: “Surgiu um problema com a Carminho, ela não tem mão esquerda”. Percebi no rosto dela uma preocupação e apreensão com a minha reação mas a minha resposta saiu de rompante e lembro-me como se fosse hoje: “Doutora a minha preocupação é ter a minha filha viva e bem a nível cognitivo, uma mão vale o que vale”. Naquele momento aquela notícia não me abalou nem um pouco. A minha preocupação era (mesmo) ela estar viva e não ter sequelas, a mão era algo supérfluo quando comparado com a vida dela e com uma paralisia cerebral. O cenário era tão negro que aquela informação (naquele momento) não teve qualquer importância para mim. De seguida começaram a dizer-me aquilo que depois nos fomos habituando a ouvir: as próteses agora estão muito evoluídas, a medicina está muito evoluída, ... Naquele momento não estava mesmo focada nisso e não queria pensar nesse assunto. Só pedi para verem como davam a notícia ao meu marido porque ele não reage bem emocionalmente e ainda podia desmaiar. (No próximo post explico porquê que a Carminho nasceu ficou sem a mão). 

Pouco tempo depois vieram mostrar-me a Carlota. Vi-a durante cerca de cinco segundos. Estava sem roupa e era tão pequenina e magra. Não fixei nenhuma característica do seu rosto mas lembro-me do quanto me impressionou ser tão pequena. Como não me tinham dito qual delas era pensei que fosse a Carminho, nem reparei na mão, porque não imaginava que ainda pudesse haver uma mais pequena. Quando a vi comentei: “Oh meu Deus! É tão pequenina.” E a pediatra disse-me que aquela não era a Carminho. “Se esta não é a Carminho como é que a Carminho é?”.

Cerca de cinco minutos depois trouxeram a Carminho. Vinha toda embrulhada num lençol e apenas consegui ver um rosto muito pequenino e dar-lhe um beijinho. Levaram-na rapidamente. Até preferi não a ter visto na íntegra porque teria mais algum tempo para me preparar para o que ia ver. 

Eu saí para o recobro e deixaram o meu marido entrar dois segundos para me dar um beijo. Foi tão rápido que não tive tempo de lhe contar da Carminho. Só lhe disse: estão vivas! Fiquei no recobro cerca de 2h30. Tentei dormir mas não consegui. Estar ali sem notícias das minhas filhas matava-me. Não as tinha ao meu lado nem na barriga, era uma sensação muito estranha. Vi o bebé da cesariana seguinte a ser vestido, vi a mãe a ser trazida para o meu lado. Deram-me banho e comentei com a enfermeira que era muito estranho ter entrado no bloco com duas bebés na barriga e sair sem nada, nem barriga nem bebés. Ao que ela me disse de forma um pouco ríspida “desculpe mas você também não tinha grande barriga”. Vieram as enfermeiras da obstetrícia buscar-me e subi para o internamento. E agora começava um novo ciclo. A luta das nossas filhas era fora da barriga!


E assim o dia 1 de Agosto de 2017 passou a ser o dia mais triste, difícil e apreensivo da minha vida.

4 comentários :

  1. Que dia de emotivo!Mas elas estão aí, lindas e super sorridentes!

    ResponderEliminar
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  3. Mas que emoção! Há milagres nesta vida lá isso há ... nunca pensei que fosse possível um bebé sobreviver com 475gr!
    Ainda bem que a Vera resolveu criar este blog... esta é uma história de luta mas de muita esperança ❤❤

    ResponderEliminar
  4. Hoje pela primeira vez li o blogue ... ����������
    Mamã, oh god ... estou a ler e a ver tudo na minha mente também. À medida que conta vejo o parto do meu #ovinho e sinto nem sei ����������
    Não queria designar como história o um capítulo que acabei de ler, porque história é o que lê-mos com coisas não verdade e imaginativas, mas isto... ��
    É a sua História, real, com dor, amor, uma carrada de sentimentos que arrepia o pêlo.
    Estou coladissima e ansiosa por ler o próximo e saber como tudo se processou com as duas meninas ��
    Parabéns por partilhar a sua HistóriaReal

    ResponderEliminar