Gravidez | O dia do parto

Era dia 1 de Agosto. Às 6h30 levantei-me para ir ao WC. Eu era daquelas grávidas que aguentava horas e horas sem ir ao WC e de noite raramente ia. Percebi que a perda de sangue tinha aumentado significativamente mas como já estava a perder sangue há dois dias e nas avaliações médicas nunca havia alterações decidi esperar pela manhã para alertar a enfermeira. Voltei a deitar-me e dormi mais um pouco, 1h depois acordei e fui tomar banho. Durante e no final do banho parecia uma torneira mal fechada, sempre a sair sangue. Acabei o banho, vesti-me e como a minha companheira de quarto ainda não tinha dado banho aqui a espertalhona decidiu andar de gatas a limpar o chão com o papel higiénico, não ia deixar a casa de banho naquele estado! Na hora foi o que me ocorreu,  nem me lembrei que podia ter chamado as senhoras da limpeza. (Nem queiram imaginar o raspanete que ouvi do meu marido quando lhe contei.)



Regressei para a cama e toquei para chamar a enfermeira. Quando esta chegou pediu-me que aguardasse um pouco e iria ser avaliada novamente pelo médico. Como não me tinha sido dada indicação para não tomar o pequeno-almoço e estava faminta comi um pão com manteiga e bebi um chá. Cerca de dez minutos depois fui chamada ao gabinete médico e lá fui eu na cadeira de rodas (era assim que me levavam ao gabinete médico). Ainda antes de me deitar a médica mal viu a perda de sangue disse: Ui! Isto é ruptura da bolsa. Por instinto comecei imediatamente a chorar. Não havia mais nada a fazer, elas iam nascer naquele dia com apenas 29 semanas. Aquilo saía completamente de tudo o que tinha idealizado e daquilo em que acreditava. Eu acreditava que ia chegar às 35 semanas e descambou tudo. O medo apoderou-se de mim.

Deitei-me para avaliação e mal fez o toque deu indicação à enfermeira para que me encaminhasse ao núcleo de partos. Parecia uma Maria Madalena banhada em lágrimas. Tinha um milhão de coisas para fazer antes de descer para o núcleo de partos mas não conseguia raciocinar. Só pensava e repensava no estado das minhas filhas, a nascerem com 29 semanas. Apenas conhecia dois casos de crianças que nasceram abaixo das 31 semanas e achava que era algo muito raro (até entrar na neonatologia!). A enfermeira perguntou-me se não ia ligar ao pai. Claro! Como é que ainda não me tinha ocorrido isso?! Liguei a chorar de tal forma que ele não estava a perceber rigorosamente nada, disse-lhe para voar para o hospital, não queria que as minhas filhas nascessem sem que ele estivesse lá. Estava em casa (a cerca de 75Km) e àquela hora o trânsito no Porto era caótico, como queriam apressar as coisas para elas nascerem rapidamente era provável que ele não chegasse a tempo. Depois a enfermeira e a auxiliar arrumaram as minhas coisas todas dentro da mala e descemos para o núcleo de partos. 

Mal entrei no núcleo vi uma mãe numa cadeira de rodas com a bata verde vestida, o cabelo preso e um olhar triste, tal e qual eu. Pensei, caramba que aspecto o nosso! Encaminharam-me novamente para uma cama,onde já tinha estado na primeira noite, e como tinha tomado o pequeno-almoço deram-me medicação endovenosa para acelerar a digestão e esvaziar o estômago. Sempre tive alguns problemas gástricos e já fazia essa medicação em casa em SOS via oral e dava-me um sono tremendo. Cinco minutos depois de me administrarem a medicação estava cheia de sono e só queria dormir. Pensei que se me levassem para parto normal não ia conseguir colaborar em nada porque estava completamente KO. 

Entretanto chegaram os anestesistas, de uma delicadeza, meiguice e simpatia impressionantes, e explicaram o procedimento para colocação do cateter. Essa parte assustava-me um pouco. No parto da Constança foi o que mais me custou. Não foi uma dor medonha mas foi incomodativa. Senti uma enorme pressão e uma espécie de choque pela coluna. E temia um pouco esse momento. Perguntei se ia ser parto normal porque se fosse estava a ponderar não levar epidural. Estava com contrações mas eu suporto bem as contrações e como as bebés eram pequeninas deveriam sair facilmente e a dor seria suportável. Mas ia ser cesariana porque a Carminho era muito pequena e como era a segunda a nascer ia exigir-lhe muito esforço por isso não podiam arriscar mais. Perceberam o meu receio em relação à anestesia e disseram-me para não me preocupar que não iria sentir dor, apensas a tal pressão porque essa não conseguiam evitar. Foram buscar o material, posicionei-me e em pouco tempo o cateter foi colocado. Realmente não senti dor absolutamente nenhuma!

Nos momentos seguintes veio a obstetra falar comigo, tentar controlar a minha ansiedade e explicar o porquê da cesariana em vez de parto normal como eu gostaria. De seguida veio o pediatra. Disse-me que ia ser um dos pediatras que iria estar no parto e como eu já devia saber a situação das minhas filhas era muito delicada. Especialmente a da Carminho mas a da Carlota também. Usando as palavras dele assim por alto.. Como a Carlota nunca passou por dificuldades ao longo de toda a gravidez e sempre esteve bem não estava preparada para nascer tão cedo e ter que lutar. Enquanto a Carminho esteve a lutar desde o início da gravidez e por isso esta situação não ia ser novidade para ela. Embora a situação dela fosse muito crítica dado o extremo baixo peso provocado pela restrição de crescimento intra-uterino. Ele falava e eu chorava. 

Durante aquele tempo em que estive ali sem o meu marido, e foi cerca de 1h30 (que mais pareceu um dia inteiro), estive quase sempre acompanhada. Raramente me deixavam sozinha tal era o meu estado de ansiedade. 

O meu marido chegou e eu continuava num pranto. O momento do parto estava a chegar e à medida que o tempo passava a minha ansiedade aumentava. Era um misto de sentimentos. Tinha medo de ouvir o que não queria no momento do parto. Tinha um medo avassalador que as minhas filhas não sobrevivessem (era o  que mais me assustava e que não saía da minha cabeça). Tinha medo de se confirmar a dita sequela na Carminho. Tinha medo do impacto de ver uma bebé tão prematura e pequena (a Carminho, pelas ecografias, pesava 510gr e a Carlota 980gr), nunca tinha visto um bebé assim e estava assustadíssima com aquilo que ia ver. E tinha medo da cesariana. Desde a intervenção em Londres morria de medo de qualquer acto médico e de sofrer novamente e por isso estava mesmo apreensiva. Não consigo descrever o turbilhão de pensamentos e sentimentos que estava a viver. Sei que queria acalmar-me e não pensar em nada disto mas nem por cinco segundos conseguia abstrair-me disto. A enfermeira foi conversando comigo ao longo daquele tempo que antecedeu a cesariana de forma a acalmar-me mas eu não estava a conseguir gerir aquela ansiedade. 

E chegou o momento! Vamos para o bloco. Lá ia eu na cama a percorrer o corredor a chorar (não fiz mais nada nesse dia a não ser chorar). Até que mesmo à entrada do bloco nos dizem que estava a chegar uma cesariana de urgência e eu só iria a seguir. Voltamos para trás. Vinte minutos depois vieram buscar-me, era o momento! Aquele que, noutras circunstâncias, deveria ser um dos momentos mais felizes da minha vida, era seguramente o mais triste. Sentia uma tristeza tão profunda e um medo tão grande! O meu marido não ia assistir à cesariana porque não se sente confortável em ambiente hospitalar e despedi-me dele à porta do bloco. A partir dali era eu e elas para tudo o que pudesse acontecer.

4 comentários :

  1. Ai meu Deus mas que emoção! Até eu fiquei ansiosa com este post... fico a aguardar por saber como nasceram as pequenas grandes guerreiras❤ beijinhos

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  2. Super ansiosa por saber mais. Não consigo imaginar o que é passar por isso tudo.

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  3. A vossa história é incrível...muita luta e coragem... És uma guerreira e as princesas também 😍 ansiosa por cada post 😚😚

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