Neonatologia | O primeiro canguru

Íamos todos os dias ao hospital e como não podíamos pegar nas nossas filhas ficávamos de pé a olhar para elas e púnhamos as mãos pelas janelas das incubadoras para acaricia-las ou, caso estivessem a dormir, colocávamos apenas as mãos em contacto com a pele delas e ficávamos estáticos para não as acordarmos. Eu ficava com uma e o pai com outra e passado um tempo trocávamos. Passávamos o tempo todo assim. Mas o que ansiávamos mesmo era o dia de lhes podermos dar colo. Termos ali as nossas bebés e não lhes podermos dar colo era uma espécie de tortura. 

Em neonatologia não se usa o termo colo, chama-se fazer canguru. Este método consiste em colocar o bebé pele com pele com os pais. Os bebés estão na incubadora apenas com a fralda e são colocados encostados ao peito do pai ou da mãe por dentro da roupa sempre por um tempo superior a 1h. E traz imensos benefícios tanto para bebé como para a mãe. Segundo a Sociedade Portuguesa de Neonatologia no caso do bebé: melhora a regulação da temperatura corporal cutânea e central através do mecanismo de condução da temperatura do adulto; diminui a variação da frequência cardíaca e respiratória, melhora a oxigenação, reduz as bradicardias; promove a regulação do sono-vigília; melhora o crescimento e o desenvolvimento. No caso da mãe: promove a vinculação; aumenta a produção de leite; melhora o bem estar emocional e psicológico; incentiva a relação entre os pais/bebé.

Uma semana depois do parto quando chegamos à beira das incubadoras a enfermeira perguntou se queríamos fazer canguru com a Carlota. -E já podemos? Queríamos muito tê-la junto a nós mas a nossa prioridade era o bem estar dela e queríamos muito protegê-la. Se tivéssemos que esperar mais algum tempo para segurança dela esperaríamos. Mas a enfermeira disse que a Carlota já podia sair da incubadora e íamos finalmente poder fazer canguru com ela. Quase explodimos de alegria. Íamos finalmente poder sentir a nossa filha no nosso peito pela primeira vez. 

Tirar um bebé da incubadora é uma espécie de malabarismo. Eu sentei-me no cadeirão conforme indicação da enfermeira e depois foi assistir a toda uma logística de mudar a fralda, desligar sensores, desfazer o tricot todo dos fios que ela tinha conectados, vira daqui e vira dali. Quase dez minutos depois estava a enfermeira a trazê-la e a colocá-la no meu peito. Uma pluma, tão leve e frágil. O que senti nesse momento é algo indiscritível. Se numa situação normal, como tinha acontecido no dia do nascimento da Constança, é a melhor sensação do mundo, neste caso estando privados disso durante 8 dias é mesmo um momento muito marcante. 



A primeira coisa que fiz foi cheira-la. O cheirinho dos bebés é o melhor cheiro do mundo e era um desgosto que eu tinha, estar privada desse contacto e tinha receio que quando as pegasse pela primeira vez elas já não tivessem esse cheirinho tão característico. Então durante as 2h que se seguiram colava o nariz à cabecinha dela e cheirava-a intensamente, queria ficar com aquele cheirinho entranhado. Estivemos ali as duas, eu deitada confortavelmente no cadeirão com ela a dormir profundamente e a mima-la. Passado esse tempo era a vez do pai fazer canguru e de eu me colar à incubadora da Carminho. A partir desse dia pudemos fazê-lo diariamente. Dar colo a uma e não dar a outra dava-nos a sensação de injustiça. Uma estava a usufruir de um privilégio que a outra não podia. Mas havia de chegar o dia da Carminho. 

Só vinte dias depois do parto é que a Carminho pode sair da incubadora. Chegamos à neonatologia e eu fui marcar os biberões de leite que extraía em casa, quando cheguei à beira das incubadoras já estava o pai com a Carminho em canguru. A nossa pequenina podia finalmente ter colinho como a mana. Mas se ter a Carlota em canguru nos assustou no primeiro dia, com a Carminho ainda nos assustava mais. Ela era tão mas tão pequenina e tão frágil que dava a sensação que se ia partir. Eu nem sabia pegar numa bebé tão pequenina. Quando a enfermeira a pôs no meu peito mal conseguia senti-la de tão leve que era. Se eu achava a Carlota uma pluma a Carminho então nem se via dentro da minha blusa. 



Era o ponto alto dos nossos dias, poder sentir as nossas filhas no nosso peito, sentir o cheirinho delas, ouvir os sons delas tão particulares nos recém nascidos. E sentia-me triste por não poder viver isso tudo em casa 24h por dia. Então absorvíamos tudo daqueles momentos para levarmos na lembrança para casa para o tempo que passávamos longe delas. Eram as melhores 3/4h do nosso dia e nesse período de tempo era quando mais sentíamos que tudo ia correr bem, já não podia ser de outra forma. 


Ao contrário do que eu pensava inicialmente,  com o avançar dos dias a dificuldade de as deixar era cada vez maior e custava-nos cada vez mais. O vínculo afectivo aumentava a cada dia e o amor que sentíamos por elas também. E cada dia era mais penoso do que o anterior. Estávamos perfeitamente conscientes de que o internamento delas seria longo mas estava a ser cada vez mais difícil regressar a casa sem elas. Sentia mesmo que estava a perder os primeiros meses das minhas filhas, aquela fase de recém-nascidos onde parece que o corpinho delas é todo maleável e se funde no nosso, e isso é algo irrecuperável.

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