Neonatologia | O dia da minha alta

Quando as coisas correm conforme o expectável o dia da alta é o mais ansiado pelos pais. Queremos muito levar as nossas bebés para casa e começar a viver aquela nova fase, com todas as coisas boas e menos boas, no nosso lar. Quando temos que voltar para casa de mãos a abanar as coisas são muito diferentes e gera em nós um sentimento agridoce.

Sabia que aquele dia ia chegar e que iria ter que voltar para casa sem elas. Se até ao parto me custava muito estar internada, depois do parto as coisas eram diferentes. Não que gostasse de estar internada, queria muito voltar para casa, mas enquanto estava ali podia descer à neonatologia sempre que quisesse, ficar ali o tempo que desejasse e acabava por me sentir perto das minhas filhas. Pelo menos mais perto do que a mais de 70km de casa. 

O hospital dispunha de uma casa onde as mães que vivessem a mais de 30km (espero não estar a cometer um erro em relação aos quilómetros) podiam ficar gratuitamente. Tinham que sair da casa até às 9h e só podiam voltar a entrar depois das 22h, hora a que tínhamos que sair da neonatologia. Era uma mais valia para quem vivesse longe mas os horários, na minha opinião, precisavam de ser revistos. São muitas horas sem ter onde descansar um pouco porque naquele intervalo de tempo não podiam ir para lá. Independentemente disso a minha decisão era ir para casa e regressar ao hospital todos os dias. Estávamos no mês de Agosto e a Constança estava de férias da creche. Queria estar com ela todos os dias e aproveitar com ela o tempo que não estivesse no hospital. Ela tinha apenas 16 meses e meio e precisava muito de mim e eu dela, era a minha força, e já não a via há cinco dias (o que para mim era imenso tempo). 

Então, três dias depois do parto, tive alta. Fiz as malas e desci para a neonatologia enquanto o meu marido levou todos os meus pertences para o carro. Ficamos o dia todo lá com as meninas, a saltitar de incubadora em incubadora. Quando se tem duas filhas na neonatologia sentimo-nos um pouco baratas tontas porque queremos dividir o tempo pelas duas quase de forma igual e então não paramos quietos, sempre a andar de uma incubadora para a outra e a olhar para dentro daquela caixinha como se estivéssemos a apreciar uma valiosa obra de arte. E estávamos! Cada movimento delas era a coisa mais bonita do mundo. 




Quando faltavam umas duas horas para irmos embora comecei a sentir um vazio gigantesco. A sensação de ir para casa e deixar as minhas filhas a mais de 70km de casa era horrível. Se acontecesse alguma coisa eu estava tão longe delas. Não podia chegar ao hospital rapidamente nem estava lá para as ver. Afirmo com toda a certeza que esse foi o segundo dia mais triste da minha vida, sendo que o primeiro foi o dia do parto. Por muito que eu possa escrever e descrever não há palavras que façam justiça ao que uma mãe sente nesse dia. Deixá-las ali “sozinhas” gera em nós um sentimento de tristeza profunda, com a sensação de que as estamos a abandonar, de que estamos tão longe e não estamos lá para as proteger (como se os profissionais que lá trabalham não estivessem mais capacitados do que nós para as protegerem!). 

Todos os pais que estavam lá há mais tempo sabiam exactamente quando uma mãe tinha alta, era o dia em que a mãe mais chorava junto às incubadoras. A própria enfermeira quando viu o meu estado disse-me: a mamã teve alta hoje não foi? 

Quando chega a hora de ir definitivamente embora aquela tristeza atinge proporções desmedidas. É só mais um toque, é só mais um olhar, é mexer no lençol para as aconchegar mais, é ver se estão confortáveis. No fundo é arranjar uma série de desculpas para ficar mais um pouco e não ter que lhes virar as costas. Até que tínhamos mesmo que ir embora. Percorri os corredores do hospital e o trajecto até ao carro a chorar compulsivamente. A dada altura dei por mim a pensar que era um exagero aquele sentimento porque as minhas filhas estavam em excelentes mãos e estavam a lutar mas como é que se controla isso? 

A viagem até casa demorou mais de uma hora e durante essa hora não trocamos uma palavra. Eu tinha um nó tão grande na garganta que só queria estar sossegada nos meus pensamentos. A cada quilómetro que nos afastávamos do hospital a minha dor aumentava e chorava ainda mais. Pensei muitas vezes, não só naquele dia como nos dias que se seguiram, que não ia aguentar aquela dor, que não sabia durante quanto tempo ia aguentar aquela situação. 

Quando cheguei a casa recebi a visita de uns tios e pedi ao meu marido para lhes pedir desculpa mas não queria estar nem ver ninguém. Só queria estar em sossego, nós os três. Dei por mim em casa vezes e vezes sem conta, durante as semanas que se seguiram ao parto, a acariciar instintivamente a minha barriga como se elas ainda estivessem ali. O meu cérebro ainda não tinha assimilado que o facto delas não estarem no meu colo não significava que ainda estivessem na minha barriga. E quando me apercebia do que estava a fazer chorava e chorava e dizia: já não estão aqui! Mas eu queria muito que ainda estivessem e custava-me horrores pensar que aquela gravidez tinha sido tão fugaz, que não tivesse tido tempo para as ter mais tempo só para mim, que me tinham sido “roubadas” tão cedo, que estavam a sofrer tanto e que estavam a passar por uma verdadeira prova de fogo. Pode parecer tudo muito exagerado mas era assim que os meus sentimentos estavam naquele momento. Continuo a dizer que ninguém está preparado para ver um filho  naquela situação e só quem passa por isso entende o que sente. Até porque aliado a isto tudo existia o sentimento de culpa e os “S’s” todos. Se tivesse repousado mais, se não tivesse ficado tão nervosa por ter sido internada, se não tivesse não desejado ter gémeos e mais alguns “S’s” que naquele momento me faziam sentido. 


Tornei-me monótona nas conversas com as poucas pessoas com quem me propunha a conversar e não esqueço a paciência que tiveram para ouvir os meus desabafos repetitivos e me tentarem levantar e dar força. É um clichê dizer que nos maus momentos é que se vêem quem são os verdadeiros amigos mas é verdade. Não que precisasse desta prova de fogo para saber quem tenho ao meu lado mas confirmei que são os melhores que poderia ter. Porque mesmo distantes fisicamente estiveram sempre comigo. 

2 comentários :

  1. Está madrugada nasceram os meus príncipes... De 29 semanas... Sinto me assim... ❤️❤️

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  2. Está madrugada nasceram os meus príncipes... De 29 semanas... Sinto me assim... ❤️❤️

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