Gravidez | O verdadeiro pesadelo em toda a gravidez foi vivido em Londres (parte I)

Já tínhamos estado em Londres e desde aí passou a ser a nossa cidade de eleição (depois de Viana do Castelo, claro!!). Desta vez o motivo que nos levava lá não era o melhor e para além da preocupação com o tratamento ia verdadeiramente apreensiva por causa dos atentados no Reino Unido. Tinha acontecido um em Londres em Março desse ano e dois dias antes da nossa chegada outro em Manchester. Não conseguia andar sossegada na rua. Só pensava que se nos acontecesse alguma coisa a Constança ficava sem pais. 


O hospital era no centro da cidade e ficamos alojados também no centro, a cerca de 30 minutos a pé do hospital. Como o tratamento era só no dia seguinte aproveitamos aquele dia para dar uma volta nas redondezas do hotel e tentar abstrair-nos um pouco. A noite foi interminável, contei as horas todas. Se por um lado estava confiante, por outro tinha muito medo por não estar preparada para reagir caso corresse mal. 



Chegou o dia! E com ele um nervoso miudinho. 12:30 era a hora que tínhamos que estar no hospital. Não me tinham dito se podia tomar o pequeno-almoço mas como não sabia que tipo de anestesia me iam dar optei por não comer nada, não fosse chegar lá e não poderem fazer o tratamento. Às 11h saímos do hotel de mapa na mão e lá fomos nós confiantes. Depois de chegar a Londres acreditei piamente que iria correr tudo bem. Eu não ia para tão longe para ser de outra forma! Chegamos à recepção do hospital mas afinal não era ali, era uma clínica num polo separado do hospital, a cerca de 10 minutos a pé. 

A clínica, ao contrário do hospital, era um edifício moderno daqueles que quando entramos ficamos boquiabertos com tanto luxo (XPTO como se costuma dizer), onde só há consultas de obstetrícia e procriação medicamente assistida. Dirigimo-nos ao balcão e entreguei o relatório que levava de Portugal. Deram-me um questionário enorme para preencher. O nosso inglês é vergonhoso, um inglês primário e começamos a ter imensas dificuldades em dialogar. Quanto ao questionário o Google tradutor ajudou.

Passados uns 15 minutos fomos chamados por uma mulher linda, toda produzida e vestida como se fosse a uma festa. Cumprimentou-nos com dois beijos e apresentou-se pelo nome. Pensei que seria uma administrativa, visto que já tinha visto bastantes mulheres com a mesma apresentação, e que nos iria encaminhar até ao médico. Fiquei agradavelmente surpreendida pela forma simpática e acolhedora como tratavam os utentes. Entramos num gabinete e estava outra mulher igualmente vistosa e bem vestida que também se apresentou pelo nome e nos cumprimentou da mesma forma. Pediram que me deitasse na marquesa e começaram a fazer a ecografia. Eram médicas. Pensei em algumas futilidades: caramba, elas aqui trabalham assim?! Onde estão as batas? Não deve ser muito prático trabalhar um dia inteiro com uns saltos de 15cm! Iam conversando durante a ecografia e fazendo algumas perguntas. No final encaminharam-nos a uma sala muito confortável com um sofá enorme, plasma, casa de banho e um pormenor que me saltou à vista, uma mesa de centro com uma caixa de lenços em cima. Aquele pormenor dos lenços mexeu comigo. Percebi que aquelas eram as salas onde os pais recebiam notícias menos agradáveis. Havia uma sala para cada casal e não nos cruzávamos. 

Cerca de meia hora depois entraram as duas médicas com o consentimento informado que nós teríamos que assinar. E começaram a (tentar) explicar tudo. Como estávamos a ter imensas dificuldades no diálogo foi chamar uma médica brasileira para traduzir tudo o que estava escrito naquele documento. 

Começou por explicar em que consistia o tratamento. Seria dada uma anestesia local e introduzido um fetoscópio até à placenta. O fetoscópio tem uma câmara e um laser e com o laser encerram as ligações vasculares entre os fetos para que o sangue não possa circular mais entre os dois. A taxa de mortalidade nesta síndrome varia entre 60% e 100% e caso ocorra morte de um dos fetos há 25% de probabilidade do feto que sobreviva ficar com sequelas. (Como é que ninguém nos tinha dito isto?!). Caso corra bem e ambos os fetos sobrevivam fica resolvido mas pode não ser definitivamente, pode voltar à posteriori.  


De seguida explicou os riscos. Risco de hemorragia da mãe. Risco de hemorragia dos fetos. Risco de infeção da mãe. Aborto espontâneo (30 em 100). Risco de parto pré termo.

E agora o que mais nos interessava. A probabilidade de sobrevivência. Em Portugal tinham-nos falado em cerca de 33% de probabilidade para cada um e 33% de probabilidade de sobreviverem os dois. Mas os números não eram estes e o nosso mundo desabou novamente. A médica explicou que o estado dos fetos já era muito delicado e que o tratamento devia ter sido feito mais cedo. O bebé mais pequeno pesava apenas 160gr e o maior 346gr. Havia apenas 10% de probabilidade de sobrevivência do mais pequeno e 40% de probabilidade de sobrevivência do maior. 

Mas porquê?! Porque depois de encerradas as ligações vasculares cada um ficava unicamente por sua conta. O feto maior estava habituado a viver beneficiado pelo mais pequeno e como tal podia não conseguir sobreviver quando tivesse que lutar sozinho e o mais pequeno porque estava realmente numa situação muito complicada, com uma restrição de crescimento grave. 

As lágrimas começaram a cair! E pedimos uns minutos a sós. Precisávamos de pôr as ideias no lugar e pensar. Eu sabia que aquela caixa de lenços não estava ali por acaso. 

Uma revolta muito grande apoderou-se de nós. Como assim?! Viemos quatro e arriscamo-nos a regressar só dois?! Viemos para tão longe para perder os nossos bebes?! Não foi nada disto que nos disseram! Porquê que demoraram quase três semanas a tratar de tudo? 

E naquele momento sentimo-nos completamente desamparados e abandonados. Um país que não era o nosso, uma língua que não dominávamos, a imensos quilómetros de casa, sem termos a nossa família por perto para podermos partilhar esta nossa dor e sermos consolados. A fragilidade emocional estava no auge e sentimo-nos mesmo tristes e sem apoio. 

Por momentos pensei não assinar aquele papel e deixar tudo ao cuidado da mãe natureza. O que tivesse que acontecer aconteceria. Mas a médica deixou claramente que se não avançássemos a probabilidade de perdemos os dois era de 100%. Mas mesmo assim pensamos em arriscar e esperar um milagre. Felizmente o meu lado profissional falou mais alto, foquei-me na ciência e tive bom senso. Não havia nada para pensar. O tratamento tinha que ser feito ou os nossos bebes estavam condenados.

Assinado o papel ficamos a aguardar a chegada do médico que iria fazer o tratamento. Disseram-nos que podíamos ir comer alguma coisa, já eram umas 15h e eu estava em jejum, mas não conseguia comer rigorosamente nada. A fome era nula!

O médico chegou por volta das 16h. Chamaram-me e deitei-me na marquesa. Era A hora, o tudo ou nada. E o verdadeiro pesadelo começou ali.

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