Gravidez | A bomba estava lançada e tinha um nome: Síndrome de Transfusão Feto Fetal

O médico estava apreensivo e havia um motivo. Um dos fetos estava muito mais pequeno do que o outro, com pouco líquido amniótico e com uma bexiga muito pequena e vazia. Tudo isto tinha um motivo e eu já sabia qual era. A bomba estava lançada e tinha um nome, síndrome de transfusão feto fetal. Aquela tal complicação rara que só tinha tratamento em Londres ou Barcelona, começaram entretanto a fazer no Hospital de Gaia, estava como forte suspeita de nos bater à porta.

De forma sucinta, quando os fetos dividem a mesma placenta há ligações vasculares entre eles, trocando sangue entre si. Quando ocorre um desequilíbrio na transfusão de sangue entre os dois fetos um é beneficiado (receptor) em relação ao outro (dador). Desta forma o feto dador apresenta uma restrição do crescimento e o feto receptor continua a crescer normalmente. Caso não se faça tratamento e se deixe evoluir normalmente a taxa de mortalidade dos dois fetos pode chegar aos 100%, um por carência e outro por excesso.

Mas ainda nada estava confirmado e o médico queria reavaliar na semana seguinte. Entretanto uma série de perguntas impunha-se e a primeira era óbvia para mim: foi alguma coisa que eu fiz? Não! Rigorosamente nada. De seguida um leque de questões que precisava de ver esclarecidas. Caso se verificasse quais eram os procedimentos que se seguiam. Qual a taxa de sobrevivência caso não fizéssemos o tratamento e qual a taxa se o fizéssemos. Quem suportaria as despesas do tratamento, nós ou o Sistema Nacional de Saúde. Em que consistia o tratamento. Quanto tempo iria demorar até se tratar das burocracias.



Mais uma semana, que durou quase um mês, e por muito que nos tentássemos abstrair disso e ocupar o nosso tempo com a Constança, o nosso foco não conseguia sair daquela síndrome. Li tudo possível e imaginário acerca disso. O médico pediu que não fosse fazer pesquisas na internet mas eu precisava urgentemente de saber mais e de ler casos de sucesso. Encontrei alguns mas encontrei outros tantos em que perderam um ou os dois bebés. O meu optimismo desta vez desvaneceu e não tinha muita esperança de que tudo não iria passar de um susto e que na próxima ecografia estaria tudo bem. Desta vez sentia que as coisas não estavam efectivamente a correr bem. 

O dia chegou. Fomos os dois à consulta. As ecografias de gémeos, pelo menos as minhas, nunca duravam menos de 1h. Naquele dia ao fim de 5 minutos o médico pediu desculpa porque tinha  que se ausentar durante algum tempo. E aí, apesar de não me ter dito nada, tive a certeza que estava confirmado. Ninguém se ausenta de uma ecografia durante 45 minutos se não for por um motivo muito forte. Foi tratar de burocracias. Ao fim desse tempo ouvi-o no corredor a telefonar para uma colega do Hospital de Braga a informá-la de que lhe ia enviar um caso de síndrome de transfusão feto fetal. Assim tivemos a confirmação e assim ficámos sem chão, as lágrimas começaram a cair. Não restavam dúvidas, passamos a pertencer aos 5% dos casos e os nossos bebés estavam em risco.

Esse dia não ficou marcado só pela má notícia, ficou marcado também pelo primeiro dia em que começou o meu sentimento de culpa. Na minha cabeça estava a ser castigada por no início não querer ter gémeos e desejar que fosse só um. E essa culpa acompanhou-me ao longo de todas as adversidades que foram acontecendo às minhas filhas! Se as perdesse nunca me ia perdoar.

Segue-se um pedido de consulta para o Hospital de Braga (são eles que nos encaminham para este tratamento, pago a 100% pelo Sistema Nacional de Saúde) com uma nota “muito urgente”. Por azar nos três dias seguintes havia greve dos médicos e como tal não iria ser chamada. Ao fim desses três dias ligava diariamente para Braga e a resposta das administrativas era sempre a mesma “tem que esperar, o pedido ainda nem tem uma semana.”. Uma semana depois a resposta mantinha-se e perdi as estribeiras: “Qual é a parte de que é muito urgente que vocês não perceberam? Estão dois bebés em risco. Uma semana para os meus bebés pode ser fatal!”. E era. Era uma luta contra o tempo. Quanto mais tempo passasse mais a probabilidade de sucesso diminuía. E o bebé mais pequeno estava em risco permanente. Podia acontecer uma tragédia a qualquer momento. 

No dia seguinte fui falar com o meu médico que também perdeu as estribeiras e mandou-me no mesmo dia para Braga para dar entrada na urgência. E as coisas começaram a encaminhar-se. Fui avaliada e o médico que me atendeu fez o relatório para apresentar à direção. Deixei os nossos dados todos para tratarem das reservas e tinha que esperar até receber um telefonema para ir lá tratar das burocracias para nos mandarem para Londres. 

Passava os dias ansiosa à espera do telefonema que só aconteceu ao fim de nove dias. Fui a Braga e estava tudo tratado. Embarcávamos no dia seguinte!!!

5 comentários :

  1. Estou muito feliz por ter percebido que no fim tudo correu bem... Mas confesso que todos os dias, venho ler-vos. Tenho aprendido algumas coisas e tenho a minha melhor gravida ... E de gémeos ❤️ por isso um beijinho enorme e obrigada pela partilha e tao pessoal.

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  2. Daniela muito obrigada 😊 ! Muitas felicidades para a sua amiga e quem corra tudo bem 🥰! Não a deixe ler o blogue para não se assustar com tantas complicações ☺️! Beijinho

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  3. Bom dia ... Pois quis muito parrilpar com ela o seu blog, mas por saber que ela também espera dois bebés (se Deus quiser) optei por não lhe contar nasa. E todos os dias, peço que tudo corra bem. A sua escrita é fantástica, e consegue mesmo passar as emoções. Mas acredito que tenha sido uma guerreira, apesar de ter sofrido tanto. Mas hoje tem consigo as suas bonecas e nada deve ser mais recompensador que isso. Um beijinho enorme ❤️

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  4. A verdade é que apesar de tudo o que foi acontecendo durante a gravidez tivemos sempre a sorte do nosso lado! Tenho recebido mensagens de mães que infelizmente não tiveram a mesma sorte e por isso só posso estar muito grata por isso.. Um beijinho

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  5. ola vera. Quando foste a Braga à urgência foi te logo dito que terias de ir para Londres? Ou tiveste mais consultas em braga para avaliação?

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