Gravidez | Mais duas picadas e a saga de Londres termina aqui

Deitei-me novamente na marquesa e as pessoas que estavam na sala eram as mesmas. Na sala vidrada entraram novamente cerca de vinte médicos. Quando o meu marido me disse que estavam lá pensei logo que havia mais alguma coisa. Não iam estar ali se fosse para assistir a uma simples ecografia para verificar o estado dos fetos. 

Antes do Professor Nicolaides entrar pedi que me substituíssem o penso (se é que se pode chamar assim) porque estava todo repassado de sangue. Tiraram aquele e colocaram um penso rápido. Sim, um penso rápido!! Escusado será dizer que na hora seguinte tiveram que o substituir umas dez vezes porque estava sempre a escorrer sangue. Aproveitei para perguntar à médica espanhola se não trabalhavam enfermeiros naquela clínica. Não! Apenas médicos, administrativas e algumas freiras que trabalhavam como auxiliares. Bem me parecia!  Era impensável um enfermeiro permitir um penso daqueles.


O médico entrou e começou a fazer a ecografia enquanto nós seguíamos tudo no ecrã à nossa frente. Havia batimentos cardíacos nos dois fetos. Não sei descrever a felicidade que sentimos! Os nossos bebés estavam vivos! 


E eis que a porta da sala se abre e entra novamente o carrinho com o material. Estava de costas e não vi mas quando o meu marido me disse que era o carrinho que usaram no procedimento anterior entrei em pânico e disse-lhe que não aguentava passar novamente pelo mesmo. Não ia suportar outra vez aquela dor. Não me explicaram nada e por isso perguntei ao médico o que se estava a passar. 


Enquanto se preparava para fazer outro procedimento, que eu ainda não sabia qual era, foi-me explicando que no resultado das análises que tinham feito o feto mais pequeno estava com uma anemia grave e o feto maior com policitemia (uma concentração muito elevada de glóbulos vermelhos que torna o sangue demasiado viscoso, grosso) e que como tal iriam introduzir uma agulha até ao cordão umbilical do feto maior e administrar medicação para reverter esta situação, caso não o fizessem estava numa situação de risco com sobrecarga cardíaca. Li depois no relatório que este procedimento tinha o nome de cordocentese. (Caramba a medicina consegue sempre surpreender! Fazem coisas incríveis.)


Como estava traumatizada com o procedimento anterior perguntei se era doloroso. Disse-me que não. Pegou então numa agulha enorme e grossa e sem ter dado anestesia introduziu-a através do abdómen até ao cordão umbilical enquanto nós víamos tudo através do ecrã. Administrou lentamente a medicação e no final mais um penso rápido. Fiquei sem perceber o conceito de dor para o médico. Numa escala de 0 a 10 a dor que senti no procedimento anterior foi de 10 mas esta classifico à vontade como 5. Bem mais suportável mas ainda assim bem dolorosa. 


Já tinha passado e já podia respirar de alívio. Ou talvez não! 


A médica espanhola disse que o feto maior tinha muito líquido amniótico e que iriam ter que retirar líquido amniótico. - A sério? Mais uma picada?! Esta tortura não acaba? 


Uma agulha igual à anterior, novamente sem anestesia e uma picada até à bolsa amniótica. Desta vez doeu bem mais do que a anterior. Retiraram três seringas de 100ml de líquido amniótico. 


Como já nada era previsível questionei se já tinham terminado. Por enquanto não era necessário fazer mais nada. 1h depois seriam novamente reavaliados. Levantei-me e voltei para a sala de espera onde me deitei novamente no sofá. 


Fui chamada 1h depois e já ia a medo. Não aguentava mais nada. Estava cansada física e psicologicamente. Só queria poder voltar para a minha casa. 


O médico reavaliou os dois fetos e o maior estava bastante melhor com a medicação que lhe administraram. Podia ir embora e queria repetir a ecografia no dia seguinte de manhã. Ficou chocado quando lhe disse que às 6h30 tinha o voo para regressar a Portugal. Disse-me que então devia ser avaliada nos próximos três dias. Os nossos bebés estavam vivos mas isso não garantia nada. O médico explicou claramente que a morte fetal raramente ocorre imediatamente a seguir ao tratamento e que os próximos dias eram a prova de fogo para eles. Estavam separados e cada um teria que lutar por si. No caso do bebé maior havia risco porque estava habituado a ser beneficiado pelo mais pequeno e agora tinha que se “desenrascar” sozinho e no caso do mais pequeno porque tinha uma restrição de crescimento grave e uma anemia severa. Para além disto havia ainda os riscos associados aos procedimentos que foram feitos e que triplicaram visto que tinham sido três procedimentos. Risco elevado de ocorrer aborto espontâneo, queda da frequência cardíaca fetal e ruptura das membranas. O recomendado era repouso absoluto. Como é que eu ia fazer repouso absoluto se o hotel ficava a 40 minutos a pé e se já eram 20h30 e às 3h30 estava o táxi à porta do hotel para nos levar ao aeroporto?


Aguardamos pelo relatório médico para trazer para Portugal e nesse espaço de tempo apareceu uma administrativa com um documento que nos entregou ao mesmo tempo que perguntava se íamos pagar em dinheiro ou cartão de crédito. Quando vi o montante quase desmaiei! Expliquei que não seríamos nós a pagar e que tinham que enviar a conta para o Hospital de Braga. Não ficou nada satisfeita com a situação e chamou uma médica. Ainda contestaram um pouco porque, pelo que percebi, nos tratamentos que tinham realizado anteriormente demoraram imenso tempo a pagar. 



Saímos da clínica e quando pus os pés na rua, um deles descalço porque me rebentou uma sandália e não a consegui calçar, deu-me um ataque de choro. O meu sonho naquele momento era ir imediatamente para a minha casa e abraçar a minha filha. Não queria ficar mais tempo ali. Precisava urgentemente do conforto dos meus. Tinham sido muitas emoções para um dia só e precisávamos da nossa casa e da nossa família. 


Andamos cerca de 10 minutos até uma paragem de autocarro e apanhámos um autocarro até ao hotel. Chegamos ao hotel já passava das 21h e eu só queria dormir. Os três pensos rápidos estavam ensopados e não fui prevenida para os trocar. Nunca me passou pela cabeça que me deixassem sair com pensos rápidos. Valeram-me dois pacotes de lenços que levei. Ainda tinha imensa dor e felizmente tinha levado medicação. Na clínica deram-me um voltaren em supositório (!!) para administrar se necessário. 



As 3h30 apanhamos o táxi e cerca de 1h depois estávamos no aeroporto. Sob risco de aborto e ainda toda dorida tive que andar 40 minutos a pé dentro daquele aeroporto até chegar à porta de embarque. Às 6h40 o avião descolou e só quis esquecer que tinha vivido aquele pesadelo. O dia 25 de Maio vai ficar para sempre marcado na nossa memória como o dia em que as minhas filhas foram salvas pela primeira vez mas também como um dia de muito sofrimento físico e psicológico. Agora queria chegar à minha casa para poder abraçar a minha filha e fazer o repouso absoluto que já devia estar a ser feito. 

Era sexta-feira e só ia ter consulta com o meu médico na terça-feira. Durante esse tempo vivemos num tormento. Não sabíamos se os nossos bebés estavam ou não vivos. Ainda ponderei ir a urgência no domingo mas aguentei a minha ansiedade e esperei. Estava grávida de quatro meses e meio e os movimentos fetais eram quase inexistentes por isso não tinha certezas de nada. Mas honestamente estava confiante. Depois de tudo o que passei não me iam fazer uma coisa dessas! Coincidência ou não nesse fim de semana vi um entrevista de uma jornalista da TVI que tinha passado pelo mesmo e que também tinha ido a Londres. Tinha perdido um dos filhos. Desliguei disso e pensei que o meu caso ia ser de sucesso.


4 comentários :

  1. Por momentos deixei de respirar neste post....

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  2. A aventura em Londres, se é que posso chamar-lhe assim, parece uma história d e séculos atrás! A ideia com que fico é terrivelmente péssima dessa tal clínica! Oh deus! 💟

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  3. Mas..... Isto não é tortura?!?? Desculpe a frontalidade e não leve a mal mas ao ler o post, e não consigo não comentar, só me veio à cabeça qualquer coisa tipo um local onde se pratica medicina clandestina, sei lá, testes em humanos por tresloucados... Perfurar a sangue frio? Pensos rápidos? Meu Deus.... A Vera não tem descrição possível, só pode ser alguém do outro mundo... Viajar logo a seguir?! Andar 40 min. A pé?!?!

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  4. Eu fui seguida nessa clínica com o professor nicolaides, o melhor médico para salvar as suas filhas, também tive essa agulha enfiada na minha barriga quando estava grávida mas não consigo me lembrar se colocaram uma anestesia local ou não. Nao faço ideia como a senhora aguentou o regresso a Portugal, o amor supera tudo.

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