A noite na pediatria

Após o episódio de urgência em que encontramos uma excelente equipa e conseguiram estabilizar a Carminho, subimos para o internamento de pediatra. Fomos encaminhadas para a sala de tratamentos e acolhidas por duas enfermeiras de extrema simpatia. Tinham definido um quarto partilhado com um menino de dez anos que estaria com uma gastroenterite mas mal viram a Carminho disseram que iriam mudá-la para um quarto isolado. Era um risco enorme tê-la num quarto partilhado. Começaram a monitoriza-la mas ela era tão pequena que tiveram que pedir algum material à neonatologia e todo o processo ocupou-as imenso tempo. 

Passado cerca de 1h fomos encaminhadas ao quarto. Deveriam ser 20h30/21h. Perguntei qual era o diagnóstico da Carminho. Foram ler os registos da médica e disseram-me que o que estava escrito era “falta de ar”. Pensei para mim: como é que a minha filha tinha entrado no estado em que entrou e o diagnóstico era “falta de ar”. Mas logo de seguida pensei que isso era irrelevante e que o importante era ela ficar bem. O turno terminou às 24h e até essa hora foram incansáveis passando várias vezes no quarto para avaliar a Carminho e perguntar se estava tudo bem. Até aí ela estava aparentemente bem.

A Carminho estava num berço e eu tinha um sofá cama, que abri e estendi os lençóis para tentar descansar um pouco. Por volta das 00h30, após ter trocado de roupa, ia deitar-me mas antes fui-lhe dar um beijo. Quando lhe toquei com os lábios na testa percebi que estava a escaldar. Toquei à campainha. Alguns minutos depois entrou uma auxiliar e pedi-lhe por favor que chamasse alguém da equipa de enfermagem porque a minha filha estava com febre. Algum tempo depois entraram no quarto e após avaliarem os sinais vitais disseram que iam administrar paracetamol porque estava efectivamente com febre. Foi-lhe administrado e fiquei com ela no colo à espera que a temperatura baixasse. Cerca de 1h depois o quadro começou a agravar-se, as saturações de oxigénio começaram a baixar, não saiam da casa dos 70/80 (o normal para a Carminho seria acima dos 92) mesmo estando a fazer oxigénio. O monitor não parava de alarmar. Associado a esta baixa estava ainda uma respiração muito ruidosa e notava-se perfeitamente que estava em esforço respiratório. 




Toquei novamente e esperei. Não vinha ninguém . Voltei a tocar. Alguns minutos depois veio novamente a auxiliar e pedi que chamassem os enfermeiros. Disse-me que estavam a fazer a ronda e que iriam demorar. Expliquei a situação e disse que era urgente. De pouco adiantou. Passaram seguramente 20m e não entrava minguem no quarto. Comecei a desesperar. Toquei novamente. Veio novamente a auxiliar. Já de forma rude disse-me que já tinha chamado os enfermeiros mas que eu tinha que esperar porque estavam ocupados. Pedi por favor que lhes dissesse que as saturações não subiam e que a Carminho não estava bem. Senti-me muito impotente em não poder ajudá-la. E
Reconheço que dois enfermeiros para um serviço com tantas crianças é muito pouco mas não consigo justificar tanta demora após eu ter dito que era urgente. A Carminho tinha estado entre a vida e a morte poucas horas antes. Vieram algum tempo depois. Avaliaram novamente a temperatura e tinha baixado um pouco. Aumentaram o débito de oxigénio e disseram que era normal as saturações estarem baixas devido à temperatura. Até aí tudo bem. Mas não era só isso. O esforço respiratório dela era imenso e aquele ruído não era normal. Disseram que voltariam para a aspirar visto que estava cheia de secreções e já não era aspirada desde as 17h. 

Mantive-me com ela no colo sentada e aguardei que o aumento do débito de oxigénio a ajudasse. A questão é que o tempo ia passando e não via melhoras nenhumas. Continuava tudo na mesma. Ela não dormia e por muito ridículo que isto possa parecer os olhinhos dela não se desviavam dos meus e parecia que estava a pedir-me ajuda. As saturações de oxigénio continuavam na casa dos 70/80, ela não queria mamar e eu estava cada vez com mais medo. Era visível que a minha filha não estava bem. Aguardei que viessem aspira-la mas como já tinham passado umas 2h (eram sensivelmente 4h30) e não veio ninguém voltei a tocar. O processo foi o mesmo: auxiliar, espera, enfermeiros. Com a diferença que desta vez não tive que esperar tanto tempo. Perguntei se não era melhor ser avaliada por um médico. Disseram que não era necessário e repetiram-me que todos aqueles sinais eram normais e que eu nao precisava de ficar apreensiva. Não me convenciam. A Carminho não estava bem e eu estava a entrar em pânico. Desatei a chorar. E assim fiquei, a chorar com ela no colo, até às 9h me ter entrado a enfermeira do turno da manhã no quarto. Tinha tido a pior noite da minha vida e tinha esperança que esta enfermeira nos ajudasse. 

Hoje sei que essa enfermeira, da qual não me consigo lembrar do rosto depois da azáfama que foi esse dia mas lembro-me perfeitamente do nome, foi um dos anjos responsáveis pela salvação da minha filha. E se não fosse ela a ter-me dado ouvidos e a ter visto que a Carminho definitivamente não estava bem, a Carminho hoje não estava cá. Não estava mesmo! Porque o que aconteceu na noite anterior levou a Carminho ao limite da vida e deixou-lhe sequelas até hoje. 

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