É um clichê dizer que só quem passa por uma neonatologia é que consegue imaginar o que se sente mas não há outra forma de o dizer.
Ter um filho na neonatologia é ansiar pela manhã seguinte para voarmos até ao hospital. É ficarmos irritados por apanharmos trânsito porque nos está a roubar tempo junto dos nossos filhos. É chegar ao hospital e percorrer os corredores ao passo mais rápido que conseguimos até chegar finalmente à porta que diz “Neonatologia”. Aí o ritmo cardíaco aumenta e tentamos ser rapidíssimos a guardar os nossos pertences no cacifo, lavar as mãos, vestir a bata, pegar nos biberões do pouco leite que conseguimos extrair em casa e percorrer a uma velocidade super sônica o corredor até à porta dos cuidados intensivos neonatais. Entrando essa porta o primeiro olhar é na direção das incubadoras dos nossos filhos. Estão lá! Ufa, que bom! Respiramos de alívio. Pousamos os biberões de leite e vamos rapidamente até às incubadoras. Examinamos ao pormenor os nossos filhos para confirmarmos a olho nu que estão “bem”. E o olhar seguinte vai para o monitor que está em cima da incubadora para ver o peso.
Ter um filho na neonatologia é vivermos obcecados com o peso, vibrarmos com os poucos gramas que ganham diariamente e desiludirmo-nos se houver perda de peso, mesmo que sejam apenas 2 gramas. É vivermos obcecados por saber se fizeram xixis e cocos porque se torna um elemento vital para eles. É ficarmos felizes por cada gota de leite que conseguem tolerar a mais. É vivermos focados em conseguir extrair o máximo de leite possível, não importa o que tenhamos que fazer para o conseguir mas sentimo-nos na obrigação de conseguir alimenta-los apenas com o nosso leite.
Ter um filho numa neonatologia é habituarmo-nos a vê-los com cateteres, sondas, sensores e muitos monitores à volta deles. É habituarmo-nos a ouvir os alarmes dos monitores sem ficarmos alarmados e irmos para casa com o “pi pi pi” a ecoar nos ouvidos. É sentirmos uma dor sufocante de cada vez que vemos os nossos bebés a sofrer com procedimentos médicos. É assistirmos a picadas e mais picadas. É desejarmos a todos os minutos trocar de posição com eles. É ficarmos mestres em mudar fraldas e dar banhos dentro de uma incubadora sem molhar todos os adereços (e demorar uma eternidade de tempo a fazê-lo).
Ter um filho numa neonatologia é ansiar pelo momento de fazer o canguru. É passarmos ali 3 ou 4h a namoramos os nossos bebés. É querermos ficar ali a fazer festinhas sem pensar que teremos de os devolver às incubadoras. É cantarmos vezes sem conta a mesma musica aos seus ouvidos pequeninos. É ter a preocupação de escolher uma roupa suficientemente larga que nos permita colocá-los em canguru. É ansiar por falar com os médicos mas ao mesmo tempo estarrecer de medo das notícias daquele dia. É termos um dia estável e no dia seguinte um dia mau. É desejar que o tempo voe para os trazer para casa mas saber que os progressos são muito lentos. É desesperar a cada dia que passa por demorar a chegar o dia de dizer adeus à neonatologia. E quando esse dia chega é chorar de nostalgia por deixarmos aquela família que construímos.
Ter um filho numa neonatologia é formar uma nova família, a família da neonatologia, com quem (apesar de todas as circunstâncias) fomos muito felizes. É ver nos profissionais de saúde e nos outros pais os nossos maiores aliados. São eles que nos percebem melhor do que ninguém. É com eles que passamos a maior parte dos nossos dias. É com eles que passamos a almoçar e lanchar. É com eles que desabafamos. Que celebramos as boas notícias e choramos quando recebemos as más. É vibrar também com os progressos dos filhos deles e ficarmos sinceramente tristes quando pioram.
Ter um filho numa neonatologia é regressar a casa de colo e barriga vazios. É regressar a casa com o coração apertado e de lágrimas nos olhos porque sentimos que os estamos a abandonar no hospital. É regressar a casa todos os dias com medo do que possa acontecer na nossa ausência. É congelar sempre que o telefone toca. É aprender a viver com medo.
Ter um filho numa neonatologia é sentirmo-nos culpados e que poderíamos ter evitado aquela situação. É viver a pensar nos “Se’s”. É devorarmos vezes sem conta toda a informação distribuída pelo serviço. É aprendermos a viver um minuto de cada vez. É aprendermos a desvalorizar completamente problemas fúteis. É termos a lágrima fácil. É chorar de alegria e de tristeza. É celebrarmos pequenas conquistas como grandes feitos.
Boa tarde,
ResponderEliminarFui mãe vai fazer terça feira dia 26 um mês. Nasceu prematuro de 26 semanas, com 590 gramas. Até hoje não sou capaz de expressar nem de explicar o que ali se passa. Hoje falaram me do seu blog, por curiosidade vim espreitar. E não podia ter ficado mais "encantada". É exatamente como me sinto no dia a dia. Realmente como diz e não é clichê, só quem cá passa é que sabe o que é. Obrigada por partilhar estas palavras. Beijinhos