Neonatologia | O cair na realidade

Depois da cesariana a minha ansiedade era subir para o internamento. Precisava de obter urgentemente notícias das minhas filhas e no recobro estava isolada de tudo. Não conseguia falar com o meu marido porque ele não podia entrar e as enfermeiras também não conseguiam dar mais informações. Por isso aquelas 2h30/3h de recobro duraram uma eternidade. 

Quando cheguei ao internamento as primeiras perguntas que fiz à enfermeira foi se sabia se as minhas filhas estavam bem e se a equipa da neonatologia ligava para a obstetrícia a avisar caso acontecesse alguma coisa com alguma das meninas. A resposta à primeira pergunta foi negativa e à segunda foi positiva.  

Eu não tinha telemóvel e não tinha forma de avisar o meu marido que já estava no internamento e estava mesmo ansiosa pela chegada dele para me trazer notícias das meninas. Cerca de meia hora depois entrou, finalmente, no quarto e com ele ia um casal amigo. Tranquilizou-me dizendo que já as tinha visto e mostrou-me fotografias. Depois da cesariana seguiu atrás delas para a neonatologia e teve que esperar cerca de 2h até as estabilizarem para as poder ver. 




Nas fotografias a Carlota estava completamente embrulhada num lençol, em forma de ninho, e só lhe conseguia ver a cara com um ventilador a sair da boca. A Carminho estava totalmente destapada e confesso que a minha reação não foi tão tranquila quanto esperava. Também estava ventilada, com sondas, cateteres e imensos fios por todo o lado. A magreza dela era assustadora e não ver a mão também mexeu muito comigo. E foi precisamente nesse momento que tive um sentimento de revolta. Achei tão injusto, depois de tanta luta e de tantas provações que ela tinha passado dentro da barriga e da luta que ainda iria travar fora da barriga, ter mais esta superação (porque é uma superação diária). E chorei, chorei, chorei. O casal amigo tentava consolar-nos dizendo que ela se ia adaptar bem e que como já tinha nascido assim ia habituar-se a fazer tudo sem o apoio daquela mão e que um dia até podia pôr uma prótese. Eu sabia que tudo aquilo fazia sentido mas naquele momento eu só desejava que a minha filha recuperasse a sua mão (como se isso fosse possível!). Em momento algum a minha revolta foi por mim, a minha revolta foi sempre por pensar no futuro da minha filha e no que ela um dia pode sofrer, emocionalmente, por não ter aquela mão. Só pensava como é que em dezenas de ecografias nunca tinha sido visto. Ou será que foi visto e optaram por não me dizer? Não ia mudar nada o facto de eu saber mas teria outro tipo de preparação psicológica e não teria que lidar com tantas coisas ao mesmo tempo naquele momento. Mas ao mesmo tempo eu sabia que nunca me poderia revoltar contra o obstetra que me seguiu porque as minhas filhas deram-lhe tanto trabalho, ele teve sempre que se focar em tantas complicações e foi sempre tão eficaz a encaminhar-me para especialidades e tratamentos que se as minhas filhas conseguiram superar todas as complicações foi muito graças a ele. E como já referi, um antebraço tem um significado muito reduzido quando comparado à vida delas.

De seguida tive a visita dos meus pais que já sabiam pelo meu marido e mostraram estar perfeitamente à vontade com isso. Talvez para não me preocuparem mais. 

Sentia-me bem, sem dor, apesar de toda a gente me dizer que estava muito pálida. Tive anemia durante toda a gravidez por isso não seria de estranhar que agravasse depois da cesariana. A enfermeira veio novamente prestar-me cuidados de higiene e vestir-me o meu pijama. Senti sempre, desde o recobro à obstetrícia, uma preocupação com o meu bem estar. Pedi-lhe para me deixar ir à neonatologia ainda naquele dia. Só ia poder fazê-lo no dia seguinte mas eu queria muito ver as minhas filhas. Só as vi de rompante após o parto e no meio de tanto stress não fiquei com nenhuma imagem delas. A sensação de não as ter na barriga nem no berço vazio ao lado da minha cama era horrível. Dava por mim, inconscientemente, a fazer festinhas na barriga como se ainda estivessem ali. A enfermeira disse-me que me ia fazer o levante mais cedo e que ao final da tarde me levaria à neonatologia se eu me sentisse bem. E assim foi. Levantei-me, comi uma sopa e cerca de quinze minutos depois fui à neonatologia de cadeira de rodas acompanhada por uma auxiliar e pelo meu marido. A obstetrícia ficava no piso 4 e a neonatologia no piso 0. No elevador comecei a sentir-me nauseada mas pensei que quando saísse do elevador ia passar e não ia dar parte fraca, eu queria mesmo ver as minhas filhas. Quando passei a porta da neonatologia a auxiliar foi chamar uma enfermeira para que esta me explicasse todos os procedimentos a fazer antes de poder entrar na unidade de cuidados intensivos neonatais e enquanto ficamos lá à espera a auxiliar regressou à obstetrícia. 

Cerca de dois minutos depois veio a enfermeira e mal começou a falar eu só tive tempo de lhe pedir o caixote do lixo. E vomitei. A minha esperança de ver as minhas filhas tinha ido por água abaixo. Regressei em lágrimas à obstetrícia e teria que esperar até à manhã seguinte. 

A noite não foi fácil. Estavam a administrar-me morfina endovenosa para a dor e aquilo provocava-me um prurido insuportável no corpo todo. Até às 3h aguentei-me mas depois tive que tocar a pedir um anti-histamínico. Durante essas horas o que mais me custou foi ouvir o choro dos bebés dos outros quartos. Saber que estavam ali com as mães e que eu não tinha as minhas, que estavam “sozinhas” a quatro pisos de diferença a lutarem pela vida, era torturante. Cada vez que entrava uma enfermeira no quarto estremecia de medo que me trouxesse uma má notícia. Tinham tido a amabilidade de me colocar num quarto sozinha mas não podiam evitar de ouvir os outro bebés.

Mal o sol nasceu pedi ajuda ao meu marido para me levantar e fui tomar banho. Queria estar pronta bem cedo para ir à neonatologia. Mas quando a enfermeira veio disse-me que só poderia ir depois da visita médica. Só pedi muito que viesse cedo! Não aguentava esperar muito mais.

1 comentário :

  1. Mas que sufoco! Nem imagino a ansiedade por que passou! Grandes guerreiras que vocês são!

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