O estado da Carminho é muito crítico

A neonatologia e a pediatra ficam no mesmo piso, uma de cada lado do corredor. A Carminho tinha acabado de entrar na neonatologia dentro de uma incubadora, acompanhada pelos profissionais de ambos os serviços. Só nos tinham dito que a tinham que ventilar com urgência e mais nada. Não tínhamos um diagnóstico, nem sabíamos o que se estava a passar. Ficamos os dois a chorar no corredor que separa os dois serviços. Eu tinha uma dor emocional que parece que me sufocava. Chorava e só conseguia repetir: a minha filha não merece estar a passar por isto! Não acredito que ela esteja a passar novamente por isto. Não acredito que estamos em risco de a perder depois de tanta luta!

Ao ver-me naquele estado a auxiliar da pediatria veio buscar-me e levou-me para a sala comum do serviço. Deu-me um chá. Entretanto vieram duas mães apoiarem-me, uma ex colega de profissão e outra mãe que eu não conhecia. Eu só dizia que não podia perder a minha filha, que não era justo para ela depois do que já tinha lutado. Repetia isto sistematicamente e elas faziam o melhor que podiam para me consolar. Não fiquei lá muito tempo porque eu queria ir para a porta da neonatologia e fui. 

Fora da neonatologia tem uns sofás. Na parte superior da porta tem um vidro e através desse vidro consegue-se ver o corredor e a outra porta. A outra porta também tem um vidro na parte superior e, embora não se visse muito bem, conseguia ver-se a movimentação dentro do serviço. Colei-me a esse vidro para tentar perceber o que se estava a passar. Entretanto já passava bastante da hora da troca de turno e as enfermeiras do turno da manhã saíram. Perguntei-lhes o que se estava a passar mas não queriam ser elas a dar-me esse tipo de informações. Apenas me disseram que era muito grave e que nos devíamos preparar para tudo. Disseram-nos para ter muita força e deram-me um abraço apertado. 

O meu primo e a esposa estavam na parte de dentro do serviço com as filhas mas não sabiam que a bebe que tinha entrado era a Carminho. Toda a movimentação em torno da Carminho era muito silenciosa e só algum tempo depois é que ouviram o nome dela e pensaram que podia ser ela. Vieram à porta ver se estávamos lá e disseram-nos que havia toda uma equipa de volta dela. Ficaram ali sentados connosco. 

Tinha passado pouco tempo desde que a Carminho tinha entrado na neonatologia e começou uma movimentação que me estava a deixar ainda mais em pânico. Eram profissionais atrás de profissionais, dos mais diversos serviços, a entrar e sair apressadamente do serviço e com ar apreensivo. Não consigo descrever o medo que senti. Em momentos anteriores tive medo de a perder mas aquele dia foi o dia em que estava mais convicta de que isso estava prestes a acontecer. A pediatra da neonatologia saiu para uma cesariana e disse-me de passagem que estava muito complicado para a ventilar. Percebi o porquê de todo aquele movimento de profissionais.

Cerca de 1h depois saiu a pediatra que a tinha avaliado de manhã. Perguntei-lhe o que se estava a passar. Pediu-me que aguardasse um pouco porque primeiro precisava de acabar de tratar de tudo e entretanto iria falar comigo. Percebi que a prioridade dela naquele momento era a Carminho e só tinha que aceitar. Voltou a entrar alguns minutos depois.  Continuavam a entrar e sair profissionais. Cerca de 1h depois a pediatra saiu e falou connosco. Explicou-nos que a Carminho tinha o vírus sincicial respiratório, o vírus mais temido pelos pais de prematuros dado a elevada taxa de mortalidade, e que a situação dela era muito delicada. Já estava ventilada e sedada (o chamado coma induzido). Perguntei-lhe se era mesmo para o Santa Maria que ela ia ser transferida e disse-me que sim. Agradeci-lhe por tudo o que fez e pela rapidez com que ela e a colega tinham agido. De seguida liguei para o Santa Maria. Precisava de saber se eu podia ficar lá de noite e de dia à beira da Carminho ou se à noite não deixavam ficar. Nesse caso teria de pensar numa estratégia. Não conheço muito em Lisboa por isso teria de procurar um sítio para dormir ao lado do hospital. 

A pessoa com quem falei era o director do serviço e garantiu-me que não iam receber nenhum bebe de Viana, estavam à espera de um menino Braga. A minha cabeça estava um caos. Mas então para onde ia a Carminho? 

Entretanto a enfermeira veio dizer-nos que podíamos ver a Carminho. Pedi-lhe que falasse com a médica por causa da situação da transferência enquanto nos dirigíamos para a incubadora. A menina que ainda há poucas horas estava no meu colo de olhos fixos nos meus estava agora sem reação, com um ventilador a respirar por ela. Não se aguenta ver uma filha assim. É demasiado para uma mãe. 

Uns vinte minutos depois chegou a equipa que vinha buscar a Carminho. Perguntei para onde íamos e disseram-me que íamos para Coimbra. Explicaram que no primeiro contacto da pediatria não tinham vagas mas que entretanto conseguiram transferir um menino e ligaram a dizer que afinal podiam receber a Carminho. Fiquei tão feliz! Coimbra era bem mais perto do que Lisboa e não me sentia tão longe das minhas filhas. Entretanto avaliou a Carminho e pediu-me que saísse um pouco. O tamanho do ventilador não era o adequado para ela e iria ter que o tirar e ventilar novamente. Mais um procedimento evasivo. Aquele pesadelo parecia não ter fim.

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